Daniel Medeiros*
Perdoar não é esquecer, mas assumir que a vida deve seguir em frente apesar de aquilo ter ocorrido. Somente com a constante disposição de mudar de ideia e recomeçar é que podemos construir algo novo, diz a pensadora Hannah Arendt. Perdoar é um agir de novo e essa ação libera o ofensor – embora não o inocente – mas, principalmente, libera o ofendido, permitindo que ele re-nove sua trajetória e se permita projetar (lançar uma ideia para frente e caminhar em busca de sua realização) novamente. O perdão é a saída para que deixemos de lado a busca por vingança e que é exatamente o seu oposto. Se o perdão re-nova, a vingança re-ativa o passado, jogando-nos lá onde corremos o risco de permanecer em um loop infinito. A vingança é uma espécie de narcisismo às avessas, onde o fascínio dá lugar ao sofrimento, mas a prisão que impede que outros horizontes possam ser desvelados é a mesma. Vingar não supera o que passou, apenas coloca-nos de volta no lugar da ofensa, diante do ofensor, na ilusão de que a sua destruição – de preferência da pior maneira possível – implique também o desaparecimento do ocorrido. Mas o resultado serão duas histórias terríveis em vez de uma, irmãs siamesas inconsoláveis.
A punição é diferente da vingança e nunca pode ser executada pelo ofendido. A punição é como uma reforma da casa: não faz com que a casa volte a ser igual como antes, mas permite que possamos voltar a habitá-la. Só é possível punir o que se pode perdoar. Há consequências de ações que são imperdoáveis e, nesse caso, a punição é incapaz de re-ativar a vida, tornar a casa habitável, pois ela já foi tomada pelos fantasmas. Esses momentos nos quais nos deparamos com o mal radical – como descreve Kant – são o maior perigo da vida.
Normalmente o que nos permite perdoar é o respeito, que é a capacidade que desenvolvemos de olhar ao redor, olhar de novo. Como nunca somos iguais o tempo todo e cada dia colocamo-nos em contato com pessoas que alargam nossa visão de mundo, o tempo faz com que observemos os fatos do passado de maneira diferente e, em algum momento, o peso da ofensa diminui e o fardo pode ser levado no bolso sem maiores transtornos. É a hora de perdoar.
Isso nos leva a uma possibilidade pedagógica importante: a de nos educar para o Perdão. O caminho – como é também o da Ação – é o relacionamento com os outros, o aprendizado com a pluralidade que nos cerca. Quanto mais nos isolamos, quanto mais vivemos em uma bolha, receosos e ressentidos, mantemos a imunidade baixa para as ofensas e tornamo-nos incapacitados para enfrentá-las, sofrendo e odiando em proporções catastróficas, para nós mesmos e para o mundo, que nunca poderá ser um lugar agradável para se viver.
E chegamos onde estamos: sonhando com um outro lugar, sufocados com nosso presente, agarrados a uma nostalgia de um tempo que nunca ocorreu mas que é o único no qual acreditamos, com as costas curvadas pelo peso das histórias vividas e nunca deixadas pelo caminho, fazendo-nos sofrer e alimentando nosso desejo insano de vingança, como uma droga que ilude a mente e destrói o corpo, desfigurando a nossa humanidade.
* Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo.
danielmedeiros.articulista@gmail.com