Gustavo Luiz Gava e Antonio Djalma Braga Junior
Os รบltimos meses provaram ser atรญpicos e difรญceis em diversos sentidos para que consigamos viver juntos e harmoniosamente em sociedade. A pandemia de Covid-19, que insiste em permanecer entre nรณs, tem revelado a nossa incapacidade de compreender e respeitar o outro em questรตes fundamentais acerca da diversidade humana. Por isso, infelizmente, torna-se comum assistirmos cenas como a de um motorista que รฉ agredido por usuรกrio do transporte por cobrar o uso da mรกscara.
O fato รฉ que vivemos em um mundo cada vez mais individualista e que, em tempos de crise (como a de agora), essa caracterรญstica se acentua. Drasticamente, a pergunta central que move as pessoas nesse mundo รฉ: o que eu ganho por usar a mรกscara (ou nรฃo usar)? ร por conta disso que precisamos mais do que uma vacina contra o coronavรญrus, precisamos de uma vacina contra esse hiper individualismo.
Segundo o filรณsofo Roman Krznaric, esse remรฉdio jรก existe, รฉ a empatia –ย a arte de nos colocarmos na pele de outra pessoa e ver o mundo de sua perspectiva. Trata-se de compreender a histรณria por trรกs do outro. Nesse sentido, a empatia pode auxiliar na criaรงรฃo de uma revoluรงรฃo mundial. Pesquisas revelaram que 98% das pessoas sรฃo capazes de sentir empatia, de colocar-se no lugar dos outros e que nosso cรฉrebro estรก programado para ser empรกtico. Mas, infelizmente, apenas poucas pessoas conseguem usar todo o seu potencial de empatia. Por isso, รฉ preciso treinar a prรณxima geraรงรฃo a sentir empatia.
Como fazer isso? Uma das possibilidades de educarmo-nos na empatia passa pela velha fรณrmula socrรกtica do โconhece-te a ti mesmoโ. Conhecer a nรณs mesmos e reconhecer em nรณs aspectos comuns que nos tornam humanos favorece o conhecimento do outro. Assim, quanto melhor for nossa introspecรงรฃo, mais empรกticos seremos. Mas, claro, essa nรฃo รฉ uma relaรงรฃo direta e de fรกcil assimilaรงรฃo, por isso, precisamos melhorar o argumento.
Um primeiro ponto para analisarmos melhor isso รฉ que o princรญpio socrรกtico nos ensina que quanto mais conhecemos a nรณs mesmos, mais compreendemos que nada sabemos e isso evita falsos juรญzos em relaรงรฃo aos outros e suas aรงรตes. Dessa forma, aprendemos a conhecer nossas fraquezas e virtudes, nossas qualidades e defeitos, nossa humanidade por completo e, com isso, compreendemos que os outros tambรฉm possuem a mesma dicotomia encontrada em nรณs.
Alรฉm disso, quando conhecemos a nรณs mesmos, conhecemos nossas emoรงรตes. E aqui vale a pena explicar que essas emoรงรตes nรฃo sรฃo boas nem mรกs. ร preciso abandonar essa perspectiva medieval de que as emoรงรตes teriam algum aspecto pejorativo (oriundos de uma perspectiva maniqueรญsta). As emoรงรตes dรฃo colorido ร nossa existรชncia. Nesse sentido, quanto mais conhecemos a nรณs mesmos e, portanto, conhecemos nossas emoรงรตes, mais temos a possibilidade de nos mantermos fiรฉis a elas, em vez de querermos extirpรก-las ou nรฃo senti-las (como se isso fosse possรญvel).
O fato รฉ que nรฃo somos vรญtimas passivas das emoรงรตes: nรฃo podemos simplesmente culpรก-las, atรฉ porque, nรณsย somosย as nossas emoรงรตes (tanto quanto somos nossos pensamentos e aรงรตes), ou seja, somos responsรกveis pelas nossas emoรงรตes e nรฃo dรก para agir de โmรก fรฉโ (no sentido sartreano do termo) diante delas. E, assim como รฉ possรญvel ensinar ร s pessoas a terem mais empatia por meio do autoconhecimento (conhece-te a ti mesmo), tambรฉm รฉ possรญvel ensinar as pessoas a serem cada vez mais fiรฉis ร s suas emoรงรตes, sobretudo em um sentido positivo e inclusivo. E, nรฃo menos importante, รฉ saber trabalhar e cultivar a prรณpria tolerรขncia com os outros. Assim, evitamos o cultivo do รณdio, pois se trata de uma emoรงรฃo que pode carregar os sentimentos mais nefastos para a vida em sociedade.
Se assim fรดssemos educados, tenho certeza que, em vez de discutirmos com motoristas de รดnibus por uma simples questรฃo de usar (ou nรฃo) mรกscara, ou de manter o cuidado para nรฃo fazer aglomeraรงรตes em tempos de pandemia, seriam questรตes pacรญficas e nรฃo produziriam mais dor e sofrimento em um contexto de crise que jรก รฉ insuportรกvel por si sรณ. Por isso, reforรงo: o mundo precisa de amor, mas, se nรฃo houver amor, que haja ao menos empatia.
Gustavo Luiz Gava,ย filรณsofo e doutor em Filosofia da Mente, รฉ professor na Universidade Positivo.
Antonio Djalma Braga Junior,ย filรณsofo, historiador e doutor em Filosofia, รฉ professor na Universidade Positivo.