Por Wanda Camargo*
A partir da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei n. 8.069, questões que envolvem os direitos das crianças e adolescentes passaram a ter maior visibilidade no Brasil, pois a legislação brasileira passou a reconhecer esta fase da vida como necessitando de proteção integral para garantia de desenvolvimento em condições de liberdade e dignidade. A violência nesta faixa etária é considerada internacionalmente como um dos maiores problemas de Direitos Humanos e Saúde Pública; maus tratos resultam em dano não apenas ao desenvolvimento, mas também à saúde física e mental.
O ECA tenta garantir que nenhuma criança ou adolescente possa sofrer discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, já que a família teria a função de garantir junto com o Estado, o bem-estar, promoção do crescimento saudável e proteção, pois na infância a violência deixa traumas físicos e emocionais, produz sequelas que se prolongam até a idade adulta e algumas vezes são fatais.
Todas as pesquisam apontam que aqueles que sofreram maus-tratos familiares enfrentam também mais casos de violência na escola, se envolvem em mais situações agressivas dentro de sua comunidade e apresentam mais transgressões das regras sociais, ou seja, são vítimas mais ativas da perpetuação do ciclo de violência.
Adolescentes agredidos costumam ter baixa autoestima, e muitas vezes repetem os atos sofridos em suas futuras famílias, perpetuando com seus próprios filhos a selvageria de que foram vítimas, reproduzindo uma dinâmica de abusos.
Estudos realizados no mundo todo apontam expressivo número de mortes na América Latina e Caribe, onde se encontra também maior proporção de negligência e violência, tanto física quanto psicológica e sexual. No entanto, registros sobre crianças e adolescentes vítimas de violência não estão perfeitamente sistematizados no país, e distribuem-se dentro de várias instituições e órgãos nas áreas de assistência social, escolas, postos de saúde, de segurança ou justiça, tentando atender às consequências da violência, responsabilização dos agressores e, principalmente, prevenir novas ocorrências. Porém, sem sombra de dúvidas, os Conselhos Tutelares constituem os principais órgãos responsáveis pelo acolhimento, e apesar de todas as dificuldades, entre elas falta de recursos e estrutura física, têm sido capazes de atender e fornecer informações que permitem uma noção minimamente satisfatória sobre este assunto em todo território brasileiro.
O nível socioeconômico familiar, a profissão dos responsáveis, o número total de pessoas na casa, o nível de estresse parental e se existe histórico de vitimizações anteriores dos responsáveis podem auxiliar bastante na prevenção de alguns problemas, já que a subnotificação das violências domésticas ainda representa uma cruel realidade.
Evidentemente, aspectos externos, como a eficiência da administração pública e a gestão das suas políticas interferem fortemente, fato agravado pela pouca capacitação profissional de muitos para identificar corretamente casos que muitas vezes apenas em desfechos trágicos mostram sua gravidade.
Algumas pessoas, principalmente em escolas, receiam expor-se quando suspeitam de ocorrências, e a ausência de conhecimento sobre a necessidade de notificação e mesmo sobre o conteúdo da ECA, e até, infelizmente, a banalização da violência que vemos aumentar nas redes sociais, práticas socioculturais que corroboram para a tolerância aos atos agressivos, impedem a real compreensão da etiologia da violência.
É indispensável, na maioria dos casos, configurar uma rede de apoio, proporcionar acesso a bens e serviços, e mudar concepções que elogiam maus tratos como prática educativa; avaliando políticas públicas, que permitam a existência de uma infância saudável, primeiro requisito para formar um bom cidadão.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.