Ficção ou realidade?

Por Wanda Camargo

Desde o final do século XX, ganhou relevância uma vertente de pensamento que minimiza o caráter referencial do discurso histórico, apagando as fronteiras entre realidade e ficção.

A vida transcorreria entre narrativas, mesmo que estas pouco contato tivessem com os fatos concretos, e tudo não passaria de ilusão ou versões que, por um motivo ou outro, tivessem interesse naquele momento, independente da sua veracidade.

Einstein mesmo já considerou que a realidade é meramente uma ilusão, apesar de ser uma ilusão muito persistente, mostrando bem a influência da relatividade em seus pensamentos, mas anteriormente Newton afirmava que suas hipóteses não eram inventadas, reforçando o determinismo de suas teorias.

Muitos pensadores vivenciaram o mundo como ficção enganadora, desde Platão no Mito da Caverna, na qual apenas sombras podiam ser distinguidas, passando pelos teóricos cristãos que julgavam o mundo mera armadilha para nossos sentidos, Pedro Calderón de La Barca, para quem “o mundo é um sonho”, dramaturgos como Shakespeare – o mundo é um palco – e os impressionistas, para os quais tudo se passava “como se”.

Entretanto, aparentemente nunca a mistura de realidade e ficção esteve tão forte como nos dias atuais, uma confusão entre o que é ou não concreto, entre o entregue pela natureza ou simulado pela nossa própria vontade. A manipulação sem qualquer vínculo com os fatos, o fingimento que afronta o bom senso – “não, eu não fiz ou disse isso que foi filmado e gravado que eu fiz, é engano seu, estou dizendo que não e tenho advogados caríssimos que provarão isso”.

Contra argumentos não há fatos, opiniões prevalecem sobre qualquer materialidade, tanto na vida pessoal, política ou empresarial; a maior parte do divulgado como “boas ações” não passa de… marketing, versão edulcorada de atividades medíocres ou obrigatórias.

Por absurdo que pareça, mesmo na área educacional, em alguns conhecidos casos a propaganda tem prevalecido sobre a necessidade de um processo eficiente e correto de instrução e ampliação cultural; num país vergonhosamente repleto de analfabetos – totais ou funcionais – a estratégia de mercado se impõe sobre a honestidade de propósitos, sobre os cuidados com o futuro que, afinal é de todos. Alguns escândalos envolvendo instituições escolares, como o recente acesso fraudulento a exames que em princípio seriam para aferir qualidade e pertinência do ensino ministrado e que tendem a ficar impunes sob o olhar condescendente de dirigentes que não são da área, não tendo ideia das consequências a médio e longo prazo, desautorizam otimismo em relação à melhoria do sistema educacional.

O descrédito vai portanto contaminando tudo, coloca-se em dúvida todos os procedimentos, tudo é incerto, e portanto sem valor. Isso desestimula o trabalho sério e dedicado, a eficiência é vista como perda de tempo, estudantes esforçados são chamados jocosamente de “nerds” que se preparam para um mundo onde o que conta realmente é o que Machado de Assis chamou de “pistolão” em um de seus contos mais engraçados e sem esperança na humanidade.

Dentre muitas pérolas do lugar comum, os manuais de autoajuda aconselham viver o presente, valorizar o momento. Poucas vezes algum conselho foi seguido tão amplamente: parecemos ter esquecido o passado, que pode ser manipulado conforme a conveniência ou ideologia de quem o contempla; não temos nenhuma consideração pelo que pode ser o futuro, destruindo florestas indispensáveis ao ar que todos respiraremos, à água que nós e nossos filhos precisamos beber, olhando o acúmulo de dinheiro possível hoje, o enriquecimento absurdo que nos colocará acima da massa ignara, que nos fará ser invejados e, no final, por nossa escolha e responsabilidade, possivelmente os últimos a morrer sem ar e sem água, os últimos, porem da mesma forma. Vivemos de fato o momento, e o momento é perigoso para a humanidade.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.

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