Fadiga, dores musculares, dores de cabeça (cefaleia), tontura e até mesmo encefalopatia (distúrbio global do sistema nervoso central, que causa diversos sintomas neurológicos em diversos sistemas cerebrais do paciente) estão entre as principais sequelas de pacientes que tiveram Covid-19
Diversas pessoas que foram infectadas pelo vírus Sars-Cov-2 relatam, após algum tempo, sequelas neurológicas, que incluem fadiga, sensação de falta de ar, dores musculares, cefaleia, tontura frequente, dificuldades de memória e concentração, além de insônia. “Hoje, compreendemos e reconhecemos que pacientes infectados com o novo vírus SARS-CoV-2, causador da Covid-19, podem resultar em alterações neurológicas em até 80% dos pacientes internados. Esta alta frequência assusta mesmo, mas boa parte dos sintomas são, por exemplo, dores musculares, dores de cabeça (cefaleia), tontura e até mesmo encefalopatia (um distúrbio global do sistema nervoso central, que causa diversos sintomas neurológicos em diversos sistemas cerebrais do paciente) nos pacientes mais graves. Todos estes sintomas podem ser vistos como alterações neurológicas, justificando esta assustadora prevalência de 80%”, explica o Dr. Gabriel Novaes de Rezende Batistella, médico neurologista e neuro-oncologista, membro da Society for Neuro-Oncology Latin America (SNOLA). “O cérebro acaba sendo um alvo fácil durante o processo de doença por diversos acontecimentos em simultâneo no corpo”, acrescenta o médico.
Quatro motivos
De acordo com o médico, pelo menos quatro motivos estão ligados a esse ataque ao cérebro: a disfunção sistêmica, a disfunção do sistema renina-angiotensina, a disfunção imune e a invasão cerebral pelo próprio vírus. “Quanto à disfunção sistêmica (o corpo em sofrimento), durante a doença, o corpo pode sofrer de inúmeras formas, mas uma bem chamativa para os médicos e muito temida pelos pacientes é a dificuldade de oxigenação do corpo, por frequente acometimento dos pulmões! Oxigênio é um alimento insubstituível para o cérebro, então mesmo que ele não seja diretamente atacado pelo vírus, o simples fato de uma menor oxigenação já irá exigir mais trabalho do nosso cérebro”, explica o médico. “No caso da disfunção do sistema renina-angiotensina, aqui entra uma explicação muito complexa. Hoje entendemos que o dano neste importante e natural sistema do nosso corpo gera dificuldades nos vasos (veias e artérias) na sua parte interna (endotélio), o que pode provocar dificuldades de dilatação, maiores chances de formação de trombos e outros. Aqui o cérebro também não é poupado”, destaca o neuro-oncologista. “Com relação à disfunção imune, sabemos que o corpo está inflamado (e muito). Isso acaba de certa forma ‘bombardeando’ nosso cérebro com citocinas e outros fatores pró-inflamatórios, dificultando o trabalho dos neurônios e das células que dão suporte aos neurônios. Muito possivelmente também explica algumas confusões mentais, sonolência, apatia, e até mesmo delírios. Neurologistas acreditam, também, que essa disfunção explica algumas raras doenças neurológicas, como síndrome de Guillain-Barré e outras que costumam ‘caminhar’ juntas durante o processo infeccioso”, explica. E, por fim, no caso da invasão cerebral pelo próprio vírus, isso ocorre e parece ser comum pelos estudos de autópsia, mas, curiosamente, não parece ter relação com a gravidade da doença. “Sendo assim, mesmo que encontremos o vírus no cérebro, isso não diz que o paciente será grave, ou que irá desenvolver danos neurológicos. Aparentemente os outros mecanismos que citei mais acima são bem mais responsáveis por tudo que venha a ocorrer no cérebro”, explica o médico.
Apesar de fazer sentido tentar dividir sintomas neurológicos dos pacientes leves e dos graves, recentemente a Organização Mundial da Saúde (OMS) firmou o termo “long covid”, que inclui pacientes com sintomas diversos de duração de semanas ou meses, mesmo quando todo o processo infeccioso já passou. “Dentre os sintomas, podemos citar: fadiga extrema, respiração curta e sensação de falta de ar, dor no peito, dificuldades de memória e concentração, insônia, tontura, formigamentos, dores nas juntas, depressão e ansiedade, alterações na pele, dores de estômago e outros”, explica. “Curiosamente, se o paciente foi mais leve ou mais grave não parece influenciar aqui, até o momento não sabemos identificar com clareza quais pacientes terão sintomas por mais tempo, devemos conseguir identificá-los no futuro com maior precisão conforme estudos forem sendo publicados”, diz o médico.
Mesmo assim, existem sim sintomas mais frequentes nos pacientes graves. “Com certeza a encefalopatia é um deles (presente em 55% dos pacientes graves, e usado como um preditor de desfecho negativo nos pacientes que estão hospitalizados). Dores musculares, dores de cabeça, tontura e fraqueza generalizada puderam ser identificados em cerca de 1/3 dos pacientes na China, Europa e EUA. A famosa redução do olfato (anosmia), possivelmente pela invasão do nervo olfatório pelo vírus e sua inflamação, e as alterações da percepção do sabor (disgeusia) podem chegar a representar 48% dos pacientes, e hoje é vista bem inicialmente no processo infeccioso. Casos mais raros, e bem graves como o acidente vascular cerebral (AVC) e hemorragia cerebral (o AVC hemorrágico), assim como a trombose venosa cerebral (TVC) também podem ocorrer, mas representam apenas 0.4 a 2.7% dos pacientes internados”, explica o médico.
Buscar um equilíbrio
Até o momento não conseguimos prevenir o “long covid” ou vários dos sintomas neurológicos, segundo o Dr. Gabriel. “Apenas podemos dar um suporte direcionado para qual sintoma prevaleça, e qual destes sintomas impacta mais na vida do paciente”, explica o médico, que enfatiza a importância de buscar um equilíbrio por todos os lados, como uma boa alimentação, exercício físico regular, cuidados com a mente (psicoterapias, meditação e outros) e reabilitação das funções que foram prejudicadas, como pulmão. “Isso será imprescindível, e depende quase que absolutamente do paciente, então seja proativo e cuide de você mesmo, enquanto a ciência trabalha para facilitar nossa recuperação pós Covid-19”, afirma.
O neuro-oncologista, que trata casos de tumores cerebrais, diz que alguns sintomas do câncer cerebral são muito semelhantes aos sintomas tardios neurológicos da Covid-19. “Cabe inicialmente alertar que não existe uma forma de rastrear estes pacientes, mas algumas dicas podem ajudar muito: primeiro que os sintomas neurológicos que não estão melhorando ao longo dos dias, semanas ou meses, poderiam ser melhor investigados por um neurologista ou clínico experiente; o segundo ponto é que a fraqueza de um lado só do corpo geralmente indica um dano no cérebro, podendo ser desde um AVC, um sangramento até um tumor, então procure um médico; outro ponto é com relação a convulsões, já que, quando o paciente não está mais no processo de doença, ou quando elas acontecem no momento em que o paciente está com doença muito leve, ela deveria ser investigada por exame de imagem e laboratório, e pode demonstrar alguma outra coisa que não relacionada ao Covid-19. Por fim, por conta do isolamento social, muitos pacientes deixaram de prestar atenção no rastreio oncológico, muitas mulheres fizeram menos mamografias, menos exames ginecológicos de forma geral, e vários pacientes deixaram de investigar uma tosse estranha ou outro sintoma, e isso pode gerar um atraso no diagnóstico e facilitar o surgimento de metástases cerebrais e para outros lugares do corpo. Acredito que devemos prestar muita atenção a este fato num futuro precoce”, finaliza o médico.
FONTE: *DR. GABRIEL NOVAES DE REZENDE BATISTELLA: Médico neurologista e neuro-oncologista, membro da Society for Neuro-Oncology Latin America (SNOLA). Formado em Neurologia e Neuro-oncologia pela Escola Paulista de Medicina da UNIFESP, hoje é assistente de Neuro-Oncologia Clínica na mesma instituição. O médico é o representante brasileiro do International Outreach Committee da Society for Neuro-Oncology (IOC-SNO).