Segundo pesquisador, dispositivo desenvolvido no Departamento de Física da UFPR permite a utilização de materiais mais baratos devido a operação em temperaturas menores
Cada detalhe num avião é decisivo tanto em relação à segurança quanto eficiência e custos de produção. A vida de centenas de pessoas pode estar em jogo em voos de carreira e a construção de uma grande aeronave envolve valores muito altos. Um Airbus A380, o maior avião de passageiros em operação na atualidade, não sai por menos de 445,6 milhões de dólares, ou 2,42 bilhões de reais. Mesmo um avião de carreira de menor porte envolve custos muito altos, como o E170 da Embraer, menor jato da companhia, que sai ao custo de 46,3 milhões de dólares (R$ 252 milhões).
Nos projetos de aeronaves as turbinas têm grande destaque, tendo papel central no grande desenvolvimento da aviação civil a partir de 1953 quando o primeiro avião comercial com motores a jato foi apresentado. Uma turbina, em termos muito simples, capta o ar e o pressuriza, misturando com combustível para que a queima ocorra. Esta reação pode chegar aos mil graus e empurra uma grande quantidade de ar para trás dando impulso para que a aeronave possa voar.
Nesse processo as pás da hélice da turbina tem um papel muito importante, funcionando basicamente com o mesmo princípio de um ventilador convencional para empurrar o ar. Mas seria possível uma turbina que funcionasse sem essas pás? Não só é possível como um projeto desenvolvido pelo professor Cyro Ketzer Saul, do Departamento de Física da UFPR, acaba de ter sua patente registrada e promete trazer várias vantagens frente às turbinas convencionais, tanto em relação à a segurança quanto aos custos de produção.
Inovação permite operação em menores temperaturas o que reduz custo de produção
O projeto, batizado de Dispositivo Híbrido Axial de Propulsão a jato, foi resultado de oito anos de pesquisas, desde sua concepção inicial em 2013, e utiliza o mesmo princípio dos ventiladores sem pás, desenvolvidos pela empresa Dyson. O que parece ser algum tipo de magia é, na verdade, a aplicação precisa de princípios da mecânica de fluídos que apresenta vantagens em relação à forma tradicional de empurrar o ar utilizando as pás de uma hélice.
A nova turbina é similar a uma turbina convencional, mas seu eixo central foi substituído por um duto interno livre que possibilita empregar o efeito de amplificação de ar para aumentar o fluxo de gases e consequentemente o empuxo gerado para movimentar uma aeronave.
“O conceito de ‘amplificação de ar’, cujo nome foi cunhado pela empresa Dyson, corresponde a uma associação entre o Efeito Coanda, a viscosidade do ar e diferenças de pressão, permite incrementos consideráveis da vazão dos gases e isto por sua vez aumenta o empuxo produzido. A empresa Jetoptera, que emprega o mesmo princípio de ‘amplificação de ar’ em estruturas acionadas por motores elétricos fala em amplificações de até 10 vezes”, explica Saul.
O conceito foi desenvolvido com o foco em aeronaves comerciais, como aquelas citadas no início da matéria, mas também pode ser adaptado para uso em menor escala.A nova turbina é similar a uma turbina convencional, mas seu eixo central foi substituído por um duto interno livre que possibilita empregar o efeito de amplificação de ar para aumentar o fluxo de gases e consequentemente o empuxo gerado para movimentar uma aeronave, combinando energias térmica e elétrica para produzir a propulsão a jato.
O pesquisador explica que, no novo modelo, os gases de combustão, em alta temperatura, são misturados com o ar frio já na entrada do motor, de modo que quando eles chegam na entrada do compressor, logo antes de entrar na turbina, suas temperaturas estão muito reduzidas. Tal redução permitiria utilizar materiais mais baratos já que não enfrentariam altas temperaturas.
Saul destaca as vantagens que este tipo de máquina pode ter por operar em temperaturas menores. “A operação da turbina, que é o componente do motor convencional que recebe os gases das câmaras de combustão, ocorre em temperaturas muito elevadas (acima de 1000º C), e isto implica no uso de ligas resistentes a elevadas temperaturas e construções complexas das pás, permitindo injeção de ar frio para isolar seu contato com os gases superaquecidos em alta pressão”, completa.
Outra vantagem é a possibilidade de acionamento descontinuo das câmaras de combustão, uma espécie de revezamento, que pode reduzir ainda mais a temperatura média de operação dos componentes da turbina.
Sem pás no caminho, modelo amplia segurança de voo
Um dos fatores que causam maior preocupação na aviação é a colisão com objetos durante os voos que acabam muitas vezes sugados pelas turbinas. Aves em torno de aeroportos são uma preocupação constante. O modelo desenvolvido por Saul permite que objetos sugados passem direto pela turbina, diminuindo muito as chances de que causem danos significativos.
“Sem dúvida, a inexistêdsncia de pás no caminho da passagem dos gases reduz consideravelmente os danos provocados por sucção de objetos estranhos. Para um objeto estranho, (…) o motor aeronáutico convencional (Turbofan, por exemplo) em rotação é como uma parede e a colisão usualmente rompe algumas pás, desequilibrando o motor e obrigando o pouso nos casos menos graves. No caso do dispositivo proposto, um objeto succionado que não colidisse com as paredes internas do duto interno livre, sairia na outra extremidade apenas queimado”, explica o pesquisador.
Depois de obter a patente, com o apoio da Agência de Inovação da UFPR, Saul explica que os próximos passos vão no sentido de buscar parcerias com empresas que tenham interesse e capacidade de produzir a turbina em escala comercial. Ele acredita que com as vantagens do modelo será possível chamar a atenção dos grandes construtores de aeronaves.
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