A arte como matéria escolar pode até ser um tema novo, mas o lado positivo de ensinar e estimular atividades artísticas em crianças e adolescentes é conhecida há muito tempo por educadores e psicólogos. Ainda que o período de quarentena tenha se mostrado uma barreira para estreitar os laços das ações culturais com os alunos, o momento pode ser aproveitado para conhecer novos formatos de apreciar arte e instigar os pequenos a aprimorar suas habilidades. Especialistas apontam o envolvimento com educação artística como muito benéfico em diversas áreas da formação dos filhos.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, por exemplo, foi alterada em 2016 para contemplar a inclusão de artes visuais, dança, música e teatro nos currículos dos ensinos infantil, fundamental e médio. O que foi um importante ato que demonstra a relevância destas temáticas no ensino. A psicopedagoga especialista em Gestão Escolar e Educação Inclusiva, Ana Regina Caminha Braga, comenta sobre esta relevância: “A arte tem uma grande contribuição na formação da criança por tratar de questões como motricidade, movimentos de controle do corpo, equilíbrio – na questão da pintura, da dança – e na parte do desenho, dos traços finos e dos grossos. Ainda, despertar a curiosidade de visitar museus, exposições, estar perto do teatro, de shows que envolvem dança e música, e de despertar talentos”.
Segundo a psicóloga e Mestra em Educação Thais Adorno, a arte se relaciona com os estímulos. “Quando a criança é exposta à música, por exemplo, desenvolve suas capacidades musicais. Por meio da arte, a criança também pode aprender a ler o mundo à sua volta, se localizar nele e aprender a se expressar”, explica a especialista. “Do ponto de vista pedagógico, a expressão artística é bastante relevante pois pode ser um meio de expressão de sentimentos e uma maneira de lidar com as emoções. E a noção de criação artística permite ainda que se desenvolva um senso de protagonismo em sua vida, através da expressão de sua singularidade”, complementa.
A partir do entendimento da arte, pode-se usar ainda a interdisciplinaridade, ganhando benefícios em outras matérias escolares e do desenvolvimento da criança. “Se o acesso for possível a exposições de outros lugares, seja do exterior ou mesmo outra cidade brasileira. Isso é importante para a criança e vai despertar a curiosidade para outros aspectos, como a questão cultural, a questão geográfica e econômica, como é esta cidade ou país diferente. É todo um contexto que está envolvido”, comenta Ana Regina. “Há a criação de um repertório artístico que são as referências que vamos desenvolvendo ao longo da vida e que, de certa forma, compõem nosso senso estético. A expressão artística está relacionada também com a capacidade de representação”, complementa Thais.
Acesso
Um problema que se acentuou durante a pandemia é o acesso à arte e cultura. As visitas a espaços culturais foram reduzidas ou mesmo fechadas por meses, assim como shows e teatros. O entretenimento artístico ficou muito reduzido especialmente para os pequenos, que muitas vezes só acessam pelas aulas este tipo de conteúdo. Para reverter este cenário, a Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Curitiba dedicou a programação de julho a crianças e adolescentes. A Bienal On-Line, ação de extensão do evento, publicou em seu Instagram (@bienaldecuritiba) materiais que instigam a curiosidade e produção artística.
Explicações sobre tipos de arte estão entre os conteúdos disponíveis. Uma sequência de stories, por exemplo, esclarece o que é a videoarte, citando movimentos artísticos e conceito básicos. Na sequência, questionários reforçam o ensino de conteúdo de maneira interativa. Obras e artistas que já foram apresentados na Bienal servem como inspiração para atividades, como por exemplo o argentino León Ferrari e a obra “En el Principio”. No post da Bienal, um vídeo apresenta o trabalho e estimula as crianças a fazerem suas versões deste representante do abstracionismo contemporâneo. “O objetivo é aproximar crianças e adolescentes da arte, especialmente neste período de férias”, afirma Carolina Loch, coordenadora institucional da Bienal. Os materiais continuam no ar nas redes do evento.
Envolvimento Familiar
Todo o conteúdo da Bienal pede a participação da família, para ser desenvolvido com a orientação de responsáveis, outro fator destacado pelas especialistas. Ainda que, durante a pandemia, muitos familiares estejam fazendo home office, é preciso criar uma rotina tanto para os pais quanto para os filhos, senão vai haver um distanciamento, aponta Ana Regina. “Os responsáveis devem sempre lembrar do bem estar dos filhos. Podem proporcionar atividades como brincar de bola, fazer uma pintura, jogar jogos de tabuleiro – muitos deles ajudam a ativar o raciocínio lógico, a matemática e a resolução de problemas”, afirma a especialista. “A família é um conjunto e quem mora na casa deve fazer parte das atividades, para que as crianças e adolescentes percebam que o que ele fez é bem-vindo e está bom ou fazer avaliações do que pode melhorar”, comenta Ana Regina.
Para Thais Adorno, a criação de momentos familiares e o fortalecimento de vínculos familiares é essencial. “Pode ser um momento em que todos conversem como foi o dia, ou pode ser um tempo da semana em que se faça algo artístico juntos. A dica é o diálogo e a criação de momentos que favoreçam essas trocas”, exemplifica. Para uma criança se sentir estimulada a uma ação ou apreciação artística, a família também precisa estar disposta, pois a noção de fruição e referências culturais são construídas. “Quanto mais eu ver determinada obra ou mais estiver familiarizada com ambientes culturais, mais fácil isso se incorporará em minha vida”, detalha a mestra em educação. “Logo, se toda a família se envolve em atividades artísticas, todos os membros daquela família vão desenvolvendo seus repertórios individuais. Então além do benefício do estreitamento dos vínculos, há os benefícios que a arte promove que podem alcançar os membros da família de modo individual ou coletivamente”, complementa Thais.
Exposição
“Ao fim da programação de julho, a proposta foi direcionar as crianças para a elaboração de uma exposição dentro de casa com os trabalhos que fizeram seguindo o perfil da Bienal”, explica Carolina Loch. E até a apresentação de desenhos e pinturas tem seus benefícios no desenvolvimento dos pequenos. “Quando os pais cultivam este estímulo ao desenho e pintura, com exposições em casa, com a família, isso vai ativar a memória, a criatividade, o desenvolvimento da criança, assim como sua capacidade de solução de problemas, de se posicionar e de ter sua própria atitude”, Ana Regina pontua.
Em tempos de pandemia, com as crianças longe das escolas por tanto tempo, a socialização, que ficou prejudicada, também pode ser estimulada por esse processo. “O artista expõe sua obra, aquilo que produziu”, destaca Thais Adorno. “Da mesma forma, quando se organiza uma exposição em casa, mesmo com caráter lúdico, estamos promovendo uma reflexão a respeito da produção artística. Estamos estimulando uma socialização do que foi produzido, o que está relacionado ao valor da obra e com a noção de troca, de mostrar o que foi feito e esperar um olhar em relação à obra”, complementa.
Para Thais Adorno, a criação estimula não apenas a criatividade, mas o desenvolvimento emocional do sujeito, que toma uma postura ativa e protagonista em relação à sua obra. “Expor os trabalhos criativos também é positivo para quem os aprecia: não é apenas o adolescente ou criança que usufruem deste momento compartilhado em grupo, ele acaba se tornando de todos que participam dele. Fortalece os laços entre todos os envolvidos, voltando seus olhares para a importância da arte em suas vidas”, completa a especialista.