Como frear o aquecimento global: a parte que cabe a cada um

Alysson Diรณgenes*

 

Nesta semana, li uma anedota muito interessante. Uma conversa entre duas pessoas. A primeira falava: โ€œJรก que a vacina (da covid-19) protege menos que 100%, nรฃo tenho interesse em tomarโ€. A segunda respondia: โ€œClaro. Vocรช estรก certo. Jรก que estou com frio e vestindo pouca roupa, por que nรฃo retirar o restante e andar na rua sem roupa? โ€. Essa anedota ilustra o tempo de extremos que vivemos.

Recentemente, o Painel Intergovernamental sobre Mudanรงas Climรกticas (IPCC), um รณrgรฃo da ONU, publicou um relatรณrio com a conclusรฃo: nรฃo รฉ mais possรญvel impedir que o aquecimento global se intensifique nos prรณximos 30 anos. Como de costume, na sequรชncia, vรกrios lรญderes e personalidades midiรกticas se pronunciaram a respeito. Mas efetivamente, o que isso significa para o cidadรฃo comum?

Surpreendentemente, em um primeiro momento, quase nada. Haja vista que as mudanรงas climรกticas ocorrem lentamente, portanto, quando se fala em aquecimento global, essa realidade รฉ muito abstrata e distante. Ainda mais num ano em que o inverno no Brasil tem tido perรญodos rigorosos, com temperaturas negativas e neve na regiรฃo Sul.

Veja, caro leitor, como cientista, nรฃo espere que eu diga que o aquecimento global nรฃo traz impactos ร  nossa vida em sociedade. Pelo contrรกrio! ร‰ esperado que os extremos climรกticos, como secas em oposiรงรฃo a enchentes, e frio em oposiรงรฃo ao calor, sejam mais e mais frequentes. Certamente isso trarรก desafios para a humanidade como um todo.

Por outro lado, nรฃo รฉ de se esperar que um relatรณrio feito com base em aproximadamente 14 mil artigos cientรญficos seja de fรกcil acesso ร  populaรงรฃo mundial. Muito menos a polรญticos e ativistas que pegam carona em temas de grande importรขncia e destaque na imprensa para ter seus nomes estampados nos noticiรกrios, mas que, efetivamente, pouco fazem para contornar ou sanar o problema. Em especial, quando esses polรญticos e ativistas vรชm de paรญses que tรชm os maiores รญndices de emissรฃo de CO2 do mundo, como EUA e China, ou de paรญses supostamente โ€œverdesโ€, como Suรฉcia, que apenas terceirizam suas produรงรตes poluentes para China e รndia e fingem nรฃo ser parte do problema. Menos ainda um certo presidente de um paรญs europeu que, por vezes, reclama de incรชndios na Amazรดnia, mas cujo paรญs tem 84% da sua matriz energรฉtica composta por energia nuclear. O mesmo presidente simplesmente se omite de condenar outros incรชndios de grandes proporรงรตes em outros paรญses que nรฃo o Brasil.

Ora, se o relatรณrio em si รฉ um documento cientรญfico que deveria ser analisado por cientistas e nรฃo ser sรณ tema de comentรกrios de polรญticos e ativistas, qual deve ser o foco? Quem pode falar com propriedade a respeito dele? Hรก soluรงรฃo? Ou vamos โ€œtirar o restante da roupa, jรก que estamos com frio?โ€.

Pela ordem. O foco deve ser na soluรงรฃo, e nรฃo no relatรณrio ou no problema. Aquecimento global e suas consequรชncias โ€“ o problema โ€“ devem ser debatidos em casa, no trabalho, no dia a dia. E hรก soluรงรฃo?

Hรก. A maioria a longo prazo e, certamente, nรฃo com muitos resultados visรญveis a curto prazo. Ainda mais num paรญs onde o recurso sempre foi limitado. Assim, vamos ao que รฉ possรญvel fazer no Brasil. Propostas de soluรงรตes apontam para investimentos, nรฃo necessariamente financeiro, em educaรงรฃo ambiental nas escolas de ensino fundamental. Cito exemplos: em vez de apenas conteรบdos teรณricos de botรขnica e suas interminรกveis classificaรงรตes, por que nรฃo ensinar reciclagem e prรกticas de cultivo orgรขnico? Na matemรกtica, em vez de problemas abstratos de funรงรตes, por que nรฃo ensinar que รฉ possรญvel ter lucro limitado com o qual รฉ possรญvel ter uma boa qualidade de vida e sem depredar o meio ambiente? Em famรญlia, por que nรฃo fazer aรงรตes como recolher lixo e ajudar na limpeza da vizinhanรงa? Todo trabalho conta. A lista segue e aรงรตes de baixo custo podem ter grandes impactos a longo prazo.

E se cada paรญs fizer sua parte, mesmo que seja um trabalho de formiguinha, podemos ter notรญcias melhores no futuro. Mas neste momento de extremos, sigamos Aristรณteles, que aponta como virtude agir com equilรญbrio. Nem desespero, nem a calma irresponsรกvel. Em vez disso, uma preocupaรงรฃo consciente e atitudes simples que possam nos fazer caminhar ao tรฃo sonhado futuro melhor.

*Alysson Nunes Diรณgenes, engenheiro eletricista, doutor em Engenharia Mecรขnica (UFSC), รฉ professor do Mestrado e Doutorado em Gestรฃo Ambiental da Universidade Positivo (UP).

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