domingo, 22 dezembro 2024
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Duplicidade educacional

Por Wanda Camargo*

No Brasil Colônia e no início do período Imperial, a educação secundária era destinada quase com exclusividade aos jovens de famílias ricas, que poderiam custeá-la nos estabelecimentos de ensino, a maioria ligada a ordens religiosas, e proporcionar a seus filhos o tempo necessário para esta finalidade.

Em 1837 foi fundado no Rio de Janeiro o Colégio Pedro II cujo nome homenageava o seu patrono. O colégio é uma das instituições de ensino público federal mais antigas em atividade no país, e surgiu dentro de um projeto do Império que abrangia também o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; destinava-se a formar uma elite intelectual e constituir um modelo de instituição de ensino a ser seguido nas províncias. Dentro do “propósito civilizatório” do Império, a educação era de boa qualidade mas pouco abrangente socialmente, atendendo apenas poucos estudantes, o suficiente para suprir as necessidades da burocracia do Estado. Os currículos era voltados unicamente a esses interesses, não havendo qualquer preocupação em capacitar parte maior da população, sequer profissionalmente como começava a ocorrer em outros lugares do mundo.

Apenas a partir de 1930 a educação secundária começa a ser pensada de modo mais amplo, com o incipiente crescimento industrial a formação do trabalhador passa a ser vista como essencial.

Nos anos 1940 inicia-se uma dualidade, após o ciclo básico duas continuidades são implantadas: uma geral, para acesso aos cursos superiores, e uma profissionalizante para qualificar melhor o jovem das classes menos favorecidas para o trabalho.

Foi a partir de 1980 que se iniciou uma grande discussão para superar esta duplicidade, trazendo a questão do trabalho como um princípio educativo, tentando acabar com a dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual. A criação das avaliações massivas, em vários níveis escolares, mas principalmente o Exame Nacional do Ensino Médio, Enem, representou no início um esforço de compreender o ensino oferecido a toda população, para proceder readequações onde necessário. Este exame, tão importante, foi aos poucos adquirindo feições de um vestibular, o que não era a ideia inicial, de avaliação do ensino oferecido pelas escolas, centrando-se na avaliação do próprio aluno, para que este pudesse conseguir uma vaga em instituições públicas ou privadas e assim continuar os seus estudos.

Ainda assim, as avaliações sucessivas têm mostrado muito da realidade da escola pública de ensino médio, através de seus alunos. Os resultados em larga escala não tem sido muito positivos, levando à busca de soluções, nem sempre tecnicamente recomendáveis; uma delas é a “militarização” das instituições, como se todo o problema decorresse de indisciplina curável com a imposição de regras castrenses onde não cabem. Uma verdadeira cloroquina para o ensino brasileiro, tão inócua e prejudicial para este quanto aquela para as consequências da  Covid-19.

Os Colégios Militares são instituições de ensino médio de excelência, mas seu acesso é limitado pelo pequeno número de vagas, grande parte destinada a filhos de militares e a aprovados em concursos extremamente disputados. E não padecem da maioria dos problemas estruturais das demais instituições públicas: muitas delas não têm bibliotecas, quadras de esporte em comunidades onde poderiam agregar toda a região do entorno tornando as pessoas corresponsáveis ao processo educativo, e se ressentem da falta de material didático de qualidade em quantidade suficiente. Ressalte-se que o discurso oficial é sobre a inutilidade de salários dignos e planos de carreira que possibilitem atualização cultural e profissional dos professores, assim como o combate à pobreza endêmica de estudantes e de suas famílias.

Os próprios indicadores educacionais não irão, sozinhos, melhorar a  escola,  avaliar é parte da solução se esta for seguida por atitudes concretas em prol da elucidação do problema, já que deficiências estruturais existem há bastante tempo, são, inclusive, muito alardeadas em épocas de eleições, porém nunca foram de fato incluídas em políticas educacionais. Ainda não nos conscientizamos: sem educação de qualidade não teremos chance de um bom futuro.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil. 

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