O gesto obsceno e a má educação

 Por Wanda Camargo*

“Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao teu redor já a perdeu…”

O verso de Rudyard Kipling é o início de um poema de exortação à pratica de virtudes e qualidades, de difícil realização para boa parte das pessoas. Porém, as maiores autoridades do país têm por obrigação mínima procurar manter a dignidade, cumprir a “liturgia do cargo” a que se referia um ex-presidente da República.

É chocante assistir ao ministro da Saúde, em viagem oficial, comportar-se como vulgar brigão de rua, fazendo um gesto obsceno em resposta às manifestações de pessoas que expressavam sua discordância a ele, às políticas públicas de saúde, ao governo, não importa: todo cidadão em regime republicano tem o direito de se opor aos seus governantes dentro da lei, mesmo eventuais exageros não justificam reações destemperadas, cabendo sempre recurso à Justiça. Ministros e ocupantes de altos cargos têm privilégios e precedências acima dos outros cidadãos; além das facilidades de residência, aviões e veículos do governo, assessoria pessoal, bons salários e proventos de participação em conselhos de empresas estatais e muitas outras vantagens materiais, há a oportunidade de realizar projetos pessoais, profissionais e políticos graças à visibilidade que o cargo proporciona. Com tudo isso, devem à Nação o melhor de sua capacidade e empenho, cumprindo seu dever e além dele, e devem também manter a compostura, demonstrando equilíbrio emocional para superar provocações. Para quem sempre se declarou apto ao cargo, a manifestação de descontrole é particularmente alarmante.

Um conflito é definido usualmente como qualquer tipo de oposição ou interação antagônica que tem início por diferentes motivos: disputa de poder, valores adversos, contenda por recursos e muitos outros, mas também costuma-se aceitar que ser humano implica em conflitos, faz parte de nossa natureza lutar por nossos comportamentos e opiniões (nós sempre os consideramos os melhores), necessidades, temores; e nem sempre é negativo, pois de desavenças pode surgir o crescimento, gerando novas ideias, evitando destruição pura e simples.

Normalmente temos diferentes tipos de conflitos: os pessoais, caracterizados por discórdias advindas entre o que se diz e o que se faz, entre como pensamos e agimos. Isso nos leva ao estresse, mas também ao atrito com aqueles que nos ouviram e viram, e não encontraram congruência.

Um caso mais extremo ocorre naquelas demandas por direitos conflitantes entre grupos de interesses, chamado de conflito social, comumente gerado por atitudes assertivas e não cooperativas, nos quais prevalece o uso do poder, muitas vezes envolvendo força e comunicação violenta. O pior aspecto disso é propagar mazelas pela comunidade como um todo, como num contágio hábitos agressivos de comunicação se tornam comuns entre pais e filhos, entre vizinhos, colegas de trabalho e se alastram como incêndios, promovendo frustração, mágoa e relacionamentos tóxicos. Interfere até nas escolas, com estudantes agredindo uns aos outros verbal e fisicamente, professores emocionalmente esgotados, jovens em situações de risco, envolvidos em abusos, agravadas muitas vezes por falta de segurança alimentar e moradia precária.

Atitudes agressivas por parte daqueles que deveriam ser exemplo colaboram para que haja uma normalização do comportamento violento, de exploração mútua, que desconecta do princípio de compaixão, da manutenção da linguagem polida, a qual fortalece nossa humanidade.

Quando nos expressamos com honestidade e clareza, ao mesmo tempo que damos aos outros atenção com respeito e empatia, todos lucram, e embora sejam muitas as formas de fazermos isso, já que somos distintos no estilo e na cultura, os relacionamentos com nossos familiares, laborais e de amizades evoluem; nossas escolas se desenvolvem na mesma proporção.

Cabe aos governantes bom-senso e educação, certos gestos não demonstram apenas grosseria, mas também ignorância.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.

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