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A fragilidade emocional e sua interiorização

Por Wanda Camargo*

Os “diferentes” dentre as pessoas sempre foram tratados como párias sociais. Todos aqueles que não correspondiam e correspondem a um modelo estabelecido são tidos como culpados, responsáveis, autores da própria ignomínia. Assim é que negros, homossexuais, portadores de deficiências, gordos, baixos, muito altos, muito magros, pobres, mulheres(!) são sempre condenados como tendo escolhido sua condição que ofende a ordem e a pureza institucional.

No caso da homossexualidade, todos os valentões heterossexuais(?) sentem-se plenamente autorizados a “jogar ‘pedra’ na Geni”, esporte divertido e sem perigo nenhum, afinal homossexuais foram discriminados e estigmatizados por tanto tempo que deveriam estar acostumados; e há o bônus de que eventuais machões em dúvida quanto à própria orientação sexual podem tentar esconder isso vociferando contra aquilo que verdadeiramente os perturba.

O mais grave nesta história infame é que os valores impingidos como universalmente corretos são personalistas, um ideal impossível de ser humano, que não veste necessariamente Prada mas algo possível. Qualquer desvio é punido com deméritos e, por fim, com o opróbrio.

Por séculos os representantes do bem não apenas se valeram do trabalho gratuito ou muito mal pago dos “imperfeitos”, mas inocularam neles o sentimento de serem os verdadeiros culpados por seus males. Afinal, podendo nascer homem branco, heterossexual, alto, rico, anglo-saxão, apenas alguém muito mal intencionado seria negro ou índio, mulher, latino ou africano, e outras formas de ofensa aos homens de bem e seus valores. E por um processo de introjeção, centenas de milhões de pessoas aceitaram os maltratos acreditando lhes serem devidos por uma culpa ancestral difusa.

Tivemos um exemplo recente emblemático desta mudança. Um senador da República, criticado por um desses valentões de rede social por ser homossexual, respondeu no maior palanque político do momento, a CPI do Coronavírus, que sim, é homossexual casado com outro homem e tem dois filhos adotados que ama, e mais, que sua família é tão merecedora de respeito quanto qualquer outra.

A imensa dignidade da declaração orgulhou o país inteiro, com a previsível exceção do empresário autor da crítica e da sua turma, que certamente escondidos atrás de seus preconceitos esperavam que o senador fosse covarde como eles e temesse a opinião pública.

O caso foi exemplar pela reação madura e contida do agredido, mas evidentemente a resposta esperada era de medo e encolhimento, de vergonha e culpa. Muitos casos assim levaram a isso, algumas vezes até ao suicídio, e é inacreditável que alguém se julgue com tantos direitos à vida alheia.

Outro exemplo veio de um cidadão, de bem por suposto, que se atribuiu o direito de dizer a uma modelo negra que sua cabeleira o assustava, repetindo a sandice até ser acusado de racismo, quando se surpreendeu pela injustiça de que não se achava merecedor por um simples comentário de cunho estético – em sua opinião.

Expor conscientemente pessoas a situações de fragilidade envolve assumir o risco de ruptura do equilíbrio entre a pessoa atacada e o meio social no qual ela possa estar integrada, mesmo que esta integração não seja perfeita. Isso acontece não apenas nos comportamentos, mas também em relação a um eventual pertencimento a uma minoria, seja ela étnica ou racial, à pobreza, desemprego de longa duração, fracasso escolar. Estas situações caracterizam ameaças de interrupção do laço social de proximidade e de solidariedade, tendendo a aumentar a rejeição e o insucesso, quando não a exclusão social.

Laços familiares e afetivos desfeitos implicaram sempre em riscos acrescidos para a saúde, em reação emocional desequilibrada, sofrimento intenso, e algumas vezes desligamentos do mundo do trabalho.

Quem corre o risco de produzir tal efeito na vida de seu semelhante?  A falta de educação, em seu sentido mais amplo, costuma produzir pessoas insensíveis aos sentimentos alheios, sem empatia e incapazes de reflexão. E com uma frequência alarmante os agressores não se consideram como tal, acham que estão “brincando”, que estão exercendo sua superioridade indiscutível, consideram até que o agredido não se importa tanto quando não reage à agressão. A ignorância é usada constantemente como recurso de defesa, mas a falta de um bom sistema educativo manifesta-se também neste tipo de procedimento.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.

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