Eduardo Faria Silva*
As manifestaรงรตes de ruptura institucional organizadas na semana da independรชncia do paรญs deixaram uma mensagem clara: a direita e a esquerda precisam firmar um pacto polรญtico em defesa do regime democrรกtico. O acordo passa, necessariamente, pelo fortalecimento do sistema eleitoral brasileiro contra aรงรตes que visam deslegitimรก-lo socialmente para justificar uma posterior ruptura.
Regimes democrรกticos tรชm um mecanismo de funcionamento em que a situaรงรฃo e a oposiรงรฃo competem ao longo dos anos para convencer o cidadรฃo-eleitor que suas respectivas propostas sรฃo as melhores para o paรญs. Ao tรฉrmino do pleito, quem tiver o maior nรบmero de votos vence e, ao perdedor, cabe reconhecer o resultado. A lรณgica democrรกtica รฉ simples e permite o confronto de ideias entre direita e esquerda.
A simplicidade โ como disse Leonardo da Vinci โ deve ser entendida aqui como โo รบltimo grau da sofisticaรงรฃoโ. Quer dizer: a democracia contempla na sua simplicidade a pluralidade de pensamentos e se fortalece com o reconhecimento das diferenรงas. Ela รฉ a forma mais elevada de organizaรงรฃo de massa que construรญmos e que possibilita o exercรญcio pleno das liberdades. Essa รฉ sua essรชncia e deve ser absolutamente preservada.
Eleiรงรตes livres sรฃo uma carta de navegaรงรฃo aos democratas de direita e de esquerda. Elas que descrevem exatamente o caminho do desenvolvimento polรญtico do humano. A direita e a esquerda nรฃo sรฃo inimigas, mas bases de pensamento distintas da forma como se vรช e se deseja construir o mundo. Pensamentos diametralmente opostos, na democracia, devem ser trabalhados no campo do dissenso apenas e jamais do despotismo.
Os fundamentalistas, no caso, da extrema-direita mundial e, por consequรชncia, a brasileira, que enxergam o outro que pensa diferente como inimigo a ser exterminado. ร a lรณgica da guerra e, no รขmbito da polรญtica, a aรงรฃo que deseja implantar um regime autoritรกrio, criando um populismo messiรขnico que divide as relaรงรตes entre โnรณsโ, do bem, e โelesโ, do mal. Aprofundando um pouco mais no tema, como escreveu Jason Stanley, essas aรงรตes se traduzem em uma polรญtica de matriz fascista que trabalha simultaneamente na psique dos cidadรฃos: o passado mรญtico, a propaganda, o negacionismo, a anti-ciรชncia, a realidade paralela, a hierarquia, a vitimizaรงรฃo, a lei e a ordem, o apelo sexual, o patriotismo exacerbado e a desestruturaรงรฃo do bem-estar pรบblico.
Alguma semelhanรงa com o Brasil de hoje? Pensem no mito, no cidadรฃo de bem, na ideia de que o paรญs era melhor na ditadura, nas milรญcias, nas mensagens contra o uso de mรกscara, nos discursos contra a vacina, no pensamento que a terra รฉ plana, na falta de investimento na ciรชncia, no uso da forรงa bruta para colocar ordemย entre os vulnerรกveis, na militarizaรงรฃo das escolas, na destruiรงรฃo do meio ambiente, na fragmentaรงรฃo das redes de apoio e de assistรชncia social. Na confrontaรงรฃo direta com o regime democrรกtico, vemos a afirmaรงรฃo de fraude em relaรงรฃo ร s urnas eletrรดnicas (que sempre elegeram o mito e seu clรฃ), nos pedidos de intervenรงรฃo militar, no questionamento do trabalho da Justiรงa Eleitoral etc.
As evidรชncias mostram que รฉ o momento de construรงรฃo de um pacto nacional com grupos polรญticos de direita e de esquerda em defesa das instituiรงรตes democrรกticas. As diferenรงas de projetos polรญticos naturalmente continuam, mas hรก a necessidade de se formar uma unidade para que se responsabilize aqueles que financiam atos antidemocrรกticos e que agem para uma ruptura institucional. Nรฃo hรก outro caminho se desejamos um paรญs que continue sua caminhada polรญtica democrรกtica e com eleiรงรตes livres.
*Eduardo Faria Silva, professor do Mestrado em Direito e coordenador da Escola de Direito e Ciรชncias Sociais da Universidade Positivo.
ย eduardo.faria.silva@up.edu.br
**Artigos de opiniรฃo assinados nรฃo reproduzem, necessariamente, a opiniรฃo da Universidade Positivo.