A vacina e o retorno às aulas

Por Wanda Camargo*

É conhecida a fábula do escorpião que, não sendo aquático e precisando atravessar um rio, pediu a uma rã que o levasse nas costas; a rã respondeu ter medo de fazer isso pois o escorpião é notório pelo veneno e pelo mau humor, ao que o aracnídeo afirmou que se a matasse também morreria. Feito o acordo, começou a travessia, a meio caminho o escorpião não resistiu e picou a rã que, estertorando, ainda conseguiu perguntar “por que?” o escorpião, enquanto se afogava declarou: “não tem lógica nenhuma, mas é o meu temperamento”.

São muitos os exemplos a que esta parábola se aplica, todos conhecemos casos de pessoas que preferem uma má demanda a um bom acordo, desentendimentos que se prolongam por décadas em prejuízo de todos os envolvidos apenas por não quererem desistir de suas certezas absolutas, e geralmente erradas.

Em meio à Covid-19 isso chega ao paroxismo, quem afirmou no começo da pandemia que esta era quase inócua e poderia ser tratada com charlatanices não abre mão de sua posição nem quando o número de brasileiros mortos supera 600 mil. Em muitos países, também no nosso, pipocam os “negacionistas da vacina”, pessoas supostamente esclarecidas que firmam posição contra a defesa comprovada ao contágio, e aproveitando o embalo se manifestam contra o uso de máscaras de proteção e isolamento social.

É fato conhecido e inegável que as medidas recomendadas pela ciência têm eficácia, mas um posicionamento político-ideológico incompreensível determina o contrário, como se partidos e líderes desejassem a destruição da sociedade e a morte das pessoas. A reedição do mote “abajo la inteligencia, viva la muerte” dos fascistas espanhóis. Os populistas sempre capitalizaram a insatisfação das pessoas com a situação econômica, política, de segurança, de saúde, com o presente em suma, e conquistaram apoios e votos fazendo promessas impossíveis de um futuro róseo e próspero em que tudo seria resolvido. Os populistas atuais inovaram a técnica, simplesmente negam o presente, o que os incomoda não existe, é invenção da “mídia”, assim como as pesquisas e estatísticas que os contrariem, exemplo de um ministro da saúde de triste memória que tentou falsificar a base de dados relativos à Covid-19 levando os órgãos de imprensa mais sérios do país a criar seu próprio centro de pesquisa..

Há pessoas que realmente não acreditam na ciência, nas vacinas e outras medidas, quase tantas pessoas quanto as que creem que a Terra é plana. Muitas outras recusam-se a admitir algo que possa ter origem nos “inimigos” de seus ídolos, se o “mito” afirmou que vacina é ruim e cloroquina é bom, pensar sequer que isso seja uma asneira afigura-se traição à pátria, lá deles não a nossa certamente.

Num momento em que escolas precisam reabrir, sob pena de deixarmos um atraso cognitivo muito grande em nossas crianças e jovens, os cuidados pelo não retorno de pandemia e principalmente pela vida de nossa juventude, são essenciais. A morte de idosos nunca é desejável se puder ser evitada, mas a dos extremamente jovens equivaleria a destruir nosso futuro, escolher entre uma nova geração de pessoas sem instrução ou tomar cuidados sanitários básicos não parece tão difícil assim. Apenas criminosos desaconselhariam máscaras, álcool gel e atitudes preventivas.

Não tomar os cuidados necessários e indispensáveis na realidade de contágios que vivemos não é apenas autoagressão, é profundamente antissocial na medida em que põe em risco a saúde e a vida dos demais; no entanto escorpiões tem o seu temperamento e o seu veneno, e não hesitam em usa-los contra os demais e contra si próprios mesmo com risco de morte.

Nada pode autorizar colocarmos crianças em riscos desnecessários, escola é lugar de alegria e aprendizagem, com prudência e consciência continuará assim.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.

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