Daniel Medeiros*
Em 1873, um grupo de fazendeiros e profissionais liberais de São Paulo fundou, na cidade de Itu, o Partido Republicano. Até 1889, quando militares deram um golpe e depuseram o imperador, o Partido Republicano havia conseguido eleger apenas três representantes para o Poder Legislativo. Fora os debates restritos em alguns centros urbanos ou nos encontros da maçonaria, a República era uma completa desconhecida da população. No documento de fundação, as principais reivindicações dos republicanos eram a descentralização administrativa e o direito de voltar a cobrar impostos. O país havia acabado de sair da guerra do Paraguai e votado a Lei do Ventre Livre. O censo de 1872 mostrava um país pobre, analfabeto (80% da população não sabia ler e escrever) e com infraestrutura precária, com 38% de brancos e ainda 15% de escravos. A imigração ainda engatinhava, e não mais do que 1% da população votava nas eleições legislativas. Ou seja, não havia, em um primeiro momento, qualquer identificação entre o que queriam os republicanos e o que havia no país.
Em 1889, quando os militares, liderados por Deodoro da Fonseca – que sempre dissera ser monarquista – aposentaram compulsoriamente o já abatido monarca, D. Pedro II e sua herdeira, a princesa Isabel, eram ainda muito populares, principalmente por causa da abolição da escravatura, tema ausente da pauta dos republicanos, pelo menos até 1887. Questões como a integração dos negros ao mercado de trabalho por meio da cessão de terras ou formação técnica-profissionalizante, defendidas por monarquistas como Joaquim Nabuco, recebiam somente a adesão de alguns republicanos “radicais”, como Silva Jardim que, decepcionado com a República por conta da forma como foi proclamada, deixou o Brasil para morrer na Itália em 1891. Abolicionistas históricos, como José do Patrocínio, também seguiram o imperador em seu exílio, decepcionados com a versão autoritária e centralizadora da nova República. Uma das primeiras medidas de Deodoro foi a censura aos jornais.
Ao mesmo tempo que o país dava um passo à frente, dava outro para trás. A República, palavra que vem da expressão latina res publica, isto é, coisa do povo, veio sem o povo, como destacaria mais tarde o escritor Lima Barreto: “O Brasil não tem povo, tem público.”
No dia da proclamação, o jornalista republicano Aristides Lobo, destacou o que viu, em uma carta escrita na tarde do dia 15 e publicada no jornal Diário Popular do dia 18: “Eu quisera poder dar a esta data a denominação seguinte: 15 de Novembro, primeiro ano de República; mas não posso infelizmente fazê-lo. O que se fez é um degrau, talvez nem tanto, para o advento da grande era. Em todo o caso, o que está feito, pode ser muito, se os homens que vão tomar a responsabilidade do poder tiverem juízo, patriotismo e sincero amor à liberdade.
Como trabalho de saneamento, a obra é edificante. Por ora, a cor do Governo é puramente militar, e deverá ser assim. O fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula. O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava.”
Nos cento e tantos anos do regime republicano, já tivemos ditaduras civis e militares, oligarquias, governos populistas, renúncias, suicídio e impeachments. Subimos os degraus esperados por Aristides? Alguns, sem dúvida. O suficiente? Longe disso. E o que esperar? Com a palavra, os jovens. E boa sorte com a tarefa.
*Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo.
daniemedeiros.articulista@gmail.com
@profdanielmedeiros
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