Um ultimato para a humanidade

Eduardo Berkenbrock Lopes*

 

O ano de 2021 tem sido marcado por grandes desafios, seja nas questรตes sanitรกrias com o enfrentamento da pandemia de covid-19, ou na geopolรญtica internacional com a retomada do poder no Afeganistรฃo pelo grupo extremista Talebรฃ. Alรฉm disso, notรญcias a respeito de eventos climรกticos extremos como chuvas torrenciais na Rรบssia e China, fortes ondas de calor no Canadรก e EUA, e o Brasil vivenciando um cenรกrio de extremos, dividido entre as piores estiagens e geadas dos รบltimos 100 anos, chamam cada vez mais a atenรงรฃo da comunidade cientรญfica e da populaรงรฃo de um modo geral. Essas questรตes se tornam ainda mais preocupantes quando analisamos o relatรณrio do Painel Intergovernamental sobre Mudanรงas Climรกticas (IPCC), um รณrgรฃo da ONU, denominado โ€œClimate Change 2021: The Physical Science Basisโ€. Segundo Antรณnio Guterres, secretรกrio-geral da ONU, o estudo apresenta um carรกter de โ€œcรณdigo vermelhoโ€, que na linguagem militar significa uma espรฉcie de puniรงรฃo para quem descumpre as regras impostas pela corporaรงรฃo, como se o planeta estivesse punindo a humanidade com as consequรชncias das mudanรงas climรกticas globais.

ร‰ importante observar que as discussรตes ambientais sรฃo consideradas recentes, ganhando contornos de interesse internacional apenas no fim dos anos 60, seja pelo inรญcio das discussรตes no รขmbito da polรญtica internacional ou como bandeira de movimentos ambientalistas que se difundiram no mundo. Em 1978, com o relatรณrio Brundtland surge a necessidade de se (re)pensar nosso modelo civilizatรณrio, pautado na ideia de โ€œdesenvolvimento sustentรกvelโ€, que tem estado sempre presente em conferรชncias internacionais, buscando um desenvolvimento que seja ambientalmente suportรกvel, economicamente viรกvel e socialmente justo.

Deve-se ressaltar que o IPCC รฉ um painel de especialistas que atua hรก mais de 30 anos construindo uma base cientรญfica sรณlida a respeito das mudanรงas climรกticas globais, sendo que o รบltimo relatรณrio foi baseado numa revisรฃo de mais de 14 mil artigos cientรญficos e contou com a colaboraรงรฃo de 234 especialistas de 66 paรญses – colocando uma โ€œpรก de calโ€ sobre qualquer argumento negacionista ou dรบvida a respeito do papel do ser humano como agente das mudanรงas climรกticas. O cenรกrio alarmante evidenciado no novo relatรณrio do IPCC reforรงa a necessidade de aรงรตes rรกpidas e conjuntas entre os paรญses para desacelerar tais mudanรงas, que se apresentam hoje como โ€œsem precedentesโ€. Alรฉm de afirmar pela primeira vez que o ser humano รฉ responsรกvel direto pelas mudanรงas do clima, foi possรญvel quantificar a โ€œinterferรชncia antrรณpicaโ€. Os dados do relatรณrio apontam uma elevaรงรฃo da temperatura em torno de 1,07 ยฐC, que pode ser de 1,5 ยฐC a 2 ยฐC nesse sรฉculo caso nรฃo ocorra uma mudanรงa drรกstica em nossa sociedade. Cada uma das รบltimas quatro dรฉcadas foi sucessivamente mais quente do que qualquer outra que as precedeu desde 1850.

Uma prova do impacto da elevaรงรฃo da temperatura do planeta รฉ a maior ocorrรชncia dos chamados โ€œeventos climรกticos extremosโ€ como chuvas torrenciais, furacรตes e tufรตes, ondas de calor que tรชm se tornado cada vez mais frequentes e intensas, alรฉm do aumento da desertificaรงรฃo, gerando os chamados refugiados do clima, populaรงรตes que sรฃo obrigadas a deixar seu local de origem de maneira temporรกria ou permanente, por conta de eventos climรกticos โ€“ afetando seriamente seu estilo de vida, principalmente o acesso ร  รกgua e o desenvolvimento agrรญcola, ou atรฉ mesmo, gerando risco de vida, como observado em Porto Rico ou no Haiti, รกreas fortemente afetadas por furacรตes. Esse grupo รฉ quatro vezes maior do que o de refugiados vรญtimas de conflitos polรญticos ou perseguiรงรฃo religiosa.

Discutir mudanรงas climรกticas globais รฉ uma tarefa de sobrevivรชncia e urgente para o ser humano. Passa por um esforรงo polรญtico, entre chefes de Estado, empresas e ONGs, alรฉm dos contรญnuos investimentos em pesquisa, desenvolvimento de novas tecnologias, busca por novas fontes de energia renovรกveis e limpas, e a reduรงรฃo da queima de combustรญveis fรณsseis que liberam grandes quantidades de diรณxido de carbono na atmosfera, intensificando o efeito estufa, e, por consequรชncia, gerando o aquecimento global. Eis o grande desafio dos nossos tempos!

*Eduardo Berkenbrock Lopes รฉ Geรณgrafo e professor de Geografia do Colรฉgio Positivo.
eduardo.lopes@colegiopositivo.com.br

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