Etienne Henklein (*)
Imagine vocรช com a funรงรฃo de estabelecer estratรฉgias inteligentes para combater um regime totalitรกrio que assola um paรญs. Entre as responsabilidades estรฃo: recrutar membros, arrecadar dinheiro, distribuir tarefas, estabelecer tรกticas de resistรชncia nรฃo violenta. Isso รฉ possรญvel atravรฉs de um game de estratรฉgias chamado โPeople Powerโ e classificado como game-ativismo. Ou seja, um termo derivado da combinaรงรฃo das palavras games e ativismo.
Podemos conceber o ativismo como esforรงos โ individuais ou coletivos โ com o objetivo de promover mudanรงas na sociedade. Devido ร emergรชncia de discutirmos certas causas e do desenvolvimento das novas tecnologias de informaรงรฃo e comunicaรงรฃo, surgiram vรกrios termos que servem para nomear conceitos relacionados ao ativismo como: ciberativismo, hacktivismo, ativismo judicial, artivismo e o game-ativismo que tratamos nesse texto.
Lucia Santaella, pesquisadora de comunicaรงรฃo e tecnologias de inteligรชncia, afirmou lรก em 2007, no seu livro Linguagens Lรญquidas na Era da Mobilidade, que โos games ultrapassaram o mundo do entretenimento e do treinamento militar, ganharam usos educacionais e migraram para diversas รกreasโ. Pois bem, os games estรฃo indo muito alรฉm de simples diversรฃo. Quer um exemplo? Em 2020, na fase mais aguda da pandemia do Covid-19, a Organizaรงรฃo Mundial da Saรบde (OMS) lanรงou a campanha #PlayApartTogether (em traduรงรฃo livre, #JogueSeparadoJunto) para incentivar o distanciamento social. E mais de 50 empresas de games se juntaram ร causa e disponibilizaram jogos gratuitos.
Vale lembrar que comunidades virtuais e games andam lado a lado. Porque alรฉm de possibilitarem interagir de forma online com outras pessoas que estรฃo distantes fisicamente, nas comunidades virtuais ocorrem trocas de experiรชncias e informaรงรตes sobre determinado jogo. E elas ainda podem ser fragmentadas por gรชnero ou localizaรงรฃo geogrรกfica. Dentro desse conceito estรก o jรก citado โPeople Powerโ que, na sua pรกgina inicial, alerta que o game โรฉ um uma oportunidade de se juntar a uma comunidade de outras pessoas que querem aprender sobre a resistรชncia civil e estratรฉgias nรฃo violentasโ. Steve York, um dos responsรกveis pelo desenvolvimento do game, disse que a ideia partiu quandoย “percebeu que era necessรกrio ajudar os ativistas a aprender estratรฉgias nรฃo-violentas” e acrescenta que as pessoas “sabiam fazer protestos, greves e boicotes, mas nรฃo sabiam como organizar tudo isso”.
Outro exemplo รฉ o โMcDonaldโs Video Gameโ que simula, de maneira bastante lรบdica, a cadeia produtiva da indรบstria fast food e denuncia as consequรชncias globais de seus mรฉtodos de utilizaรงรฃo de hormรดnios, transgรชnicos e desmatamento para criaรงรฃo de gado. Hรก tambรฉm o โMarch Through Timeโ que recria locais em uma capital Washington DC ambientada nos anos 60 e trata da defesa de direitos civis e do combate ao racismo. Neste game รฉ possรญvel ouvir na รญntegra o icรดnico discurso โEu tenho um Sonhoโ, de Martin Luther King Jr. Todos estes jogos sรฃo gratuitos, uma caracterรญstica dos game-ativistas.
O ativismo por meio da estรฉtica dos games รฉ uma estratรฉgia inovadora e ainda รฉ cedo para quantificar o seu impacto. No entanto, games sรฃo eficazes na representaรงรฃo de sistemas complexos. Possibilitam refletir se uma proposta รฉ ou nรฃo adequada ร sociedade, bem como quais sรฃo suas consequรชncias. Entรฃo espera-se que, por meio de suas aรงรตes, os jogadores possam ajudar a melhorar a realidade. Sim, รฉ paradoxal: estar dentro de um jogo, mas com a possibilidade de direcionar o olhar para fora, para o mundo real. Para o mundo que queremos: de preservaรงรฃo ambiental, igualdade, paz e justiรงa social.
(*) Etienne Henklein รฉ especialista em Metodologia do Ensino da Arte eย professor da รกrea de Linguagens Cultural e Corporal nos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Artes Visuais do Centro Universitรกrio Internacional UNINTER