Leide Albergoni*
2020 tinha tudo para ser o ano do reequilรญbrio macroeconรดmico para o Brasil, mas veio a pandemia e, com ela, a queda brutal da produรงรฃo industrial por escassez de matรฉria-prima, o fechamento do setor de serviรงos por conta das medidas restritivas e, consequentemente, o aumento do desemprego e a queda da massa salarial.
As medidas de contenรงรฃo da crise reverteram a trajetรณria de equilรญbrio fiscal, encerrando 2020 com dรฉficit primรกrio superior a 10% do PIB. Para 2021, o dรฉficit projetado รฉ de 0,6% do PIB, mas o rombo nas contas pรบblicas deve se acentuar em 2022 para 1,2% do PIB, pois, em ano eleitoral, os programas de auxรญlio ร renda sรฃo tentadores para alavancar a popularidade.
Contrariando suas promessas de campanha e compromissos assumidos no inรญcio do mandato, o governo federal desenha manobras para furar o teto de gastos e acentuar o dรฉficit fiscal, jogando fora esforรงos de cinco anos anteriores. O mercado nรฃo gosta de governo gastador, e essa perspectiva aumenta os (muitos) desafios que a economia brasileira enfrenta para sua recuperaรงรฃo.
Em 2021, a inflaรงรฃo oficial medida pelo IPCA atingiu 10,06% e deve permanecer acima da meta neste ano: a projeรงรฃo do Boletim Focus, do Banco Central, รฉ que o IPCA fique prรณximo dos 5%.
Os principais fatores inflacionรกrios de 2021 devem persistir: energia, gasolina, etanol e gรกs. A crise hรญdrica deve impactar a bandeira tarifรกria com a ativaรงรฃo de usinas termoelรฉtricas, mais caras, e hรก riscos de racionamento. A expectativa รฉ de manutenรงรฃo da trajetรณria de alta de preรงos do barril do petrรณleo e do gรกs no cenรกrio internacional, repercutindo no preรงo dos combustรญveis de modo geral. Vale lembrar que esses elementos compรตem custos de produรงรฃo, que sรฃo repassados para outros preรงos.
Alรฉm disso, a inflaรงรฃo de 2021 deve ser transmitida na inรฉrcia inflacionรกria como reajuste para diversos produtos com preรงos administrados (saneamento, medicamentos, telefonia, aluguel), bem como nos demais produtos com reajustes livres.
Embora seja uma inflaรงรฃo basicamente de custos (petrรณleo, gรกs, energia e insumos industriais), a medida para controle รฉ o aumento da taxa de juros Selic, hoje em 9,25%, cuja expectativa รฉ encerrar 2022 em 11,5%, de acordo com o Boletim Focus. O governo deveria contribuir com aperto dos gastos pรบblicos para segurar a inflaรงรฃo, mas, em ano de reeleiรงรฃo, essa esperanรงa รฉ ilusรณria.
O aumento da taxa de juros encarece o crรฉdito, segurando o consumo e investimentos produtivos. Isso resulta em menor crescimento econรดmico e, portanto, um PIB mais fraco e pรญfia geraรงรฃo de empregos. A projeรงรฃo do Boletim Focus para o PIB รฉ de crescimento de 4,55% em 2021 e 0,5% em 2022. A taxa de desemprego, por sua vez, deve fechar 2021 em 14,1% e 2022 em 13%, segundo estimativas da FGV IBRE.
Essa projeรงรฃo de baixo crescimento e inflaรงรฃo acelerada coloca o paรญs em situaรงรฃo de estagflaรงรฃo. O fraco desempenho projetado รฉ muito inferior ร previsรฃo de outros paรญses emergentes e em desenvolvimento, inclusive a Argentina, em profunda crise econรดmica.
O desemprego elevado associado ao endividamento deve impactar no consumo das famรญlias, que responde por 60% do PIB e รฉ o motor da economia. O endividamento das famรญlias, superior a 75% em dezembro de 2021, deve persistir com a perda do poder de compra e baixa geraรงรฃo de empregos.
Os brasileiros jรก sentem a deterioraรงรฃo do cenรกrio econรดmico e as expectativas refletem o pessimismo com o futuro prรณximo: o รndice de Confianรงa da Indรบstria (ICI) e o รndice de Confianรงa do Consumidor (ICC) da FGV IBRE apresentam queda nos indicadores de situaรงรฃo atual e de expectativa para os prรณximos meses.
Resta aos brasileiros torcerem por condiรงรตes climรกticas favorรกveis ร agricultura, que os preรงos dos produtos da cesta bรกsica deem uma trรฉgua para a inflaรงรฃo, e a lavoura segure a economia de um tombo maior.
*Leide Albergoni รฉ autora do livro Introduรงรฃo ร Economia โ Aplicaรงรตes no Cotidiano e professora da Universidade Positivo (UP).