Francis Ricken*
O conflito bélico entre Rússia e Ucrânia movimentou a economia, a política e as relações internacionais de uma maneira avassaladora. Em poucos dias de conflitos, temos, além do avanço das tropas, uma mudança significativa no relacionamento da Rússia, importante parceiro comercial brasileiro, com o resto do mundo. As retaliações econômicas e internacionais capitaneadas pela União Europeia e Estados Unidos têm colocado Vladimir Putin em uma condição de dificuldade, principalmente com a retirada da Rússia do sistema bancário internacional, o que pode atingir o Brasil em cheio.
De longa data, temos uma parceria comercial com a Rússia que nos faz dependente dos fertilizantes e insumos químicos, e eles, grandes consumidores da carne bovina brasileira e de nossas commodities agrícolas. O impacto do conflito será sentido por nós em um curto espaço de tempo, seja pelo mercado internacional de petróleo, pelas dificuldades de relacionamentos comerciais com uma das maiores economias do mundo, ou por um rearranjo das forças mundiais com o isolamento diplomático da Rússia.
De qualquer forma, não somos um país com histórico de grandes conflitos e, desde o surgimento da Organização das Nações Unidas, pós segunda guerra mundial, temos exercido um papel de importância dentro da diplomacia internacional, algo que destaca nosso país em âmbito mundial. O Brasil foi responsável por uma coalizão contrária aos conflitos bélicos desde a época de Rui Barbosa, e se notabilizou como um dos países responsáveis pela coordenação e organização de missões de paz dos “capacetes azuis”, em Angola, Timor Leste, Haiti e República Democrática do Congo. Mas o que mais nos impacta dentro de toda essa conjuntura mundial é o papel que o Brasil tem desempenhado nos últimos anos nas relações internacionais sob o governo Bolsonaro.
As gafes internacionais se acumulam desde 2019, quando da escolha de Ernesto Araújo como Ministro das Relações Exteriores, um diplomata de carreira que é notabilizado por seu viés ideológico de procedência duvidosa, regado a muitas teorias da conspiração e posicionamentos que colocaram o Brasil em situação delicada em organismos internacionais. Foram três longos anos de Araújo à frente da diplomacia brasileira, e acumulamos rusgadas com Estados Unidos com a manifestação dos filhos do presidente apoiando a reeleição de Trump para a Casa Branca; ofensas pessoais de Bolsonaro à primeira-dama francesa; e uma interferência direta de Eduardo Bolsonaro (União Brasil/SP) dentro das escolhas políticas da diplomacia brasileira.
Com o desgaste do ministro, a substituição é feita por Carlos França, diplomata experiente, avesso a conflitos, mas que, provavelmente, não tem voz ativa no gabinete presidencial de Bolsonaro, vide a visita do presidente à Rússia dias antes do início do conflito com a Ucrânia. A visita de cortesia a Putin escancarou como o presidente está de ouvidos fechados aos aconselhamentos da diplomacia. Primeiro que Bolsonaro teve uma agenda na Rússia totalmente supérflua. Foi recebido por membros do terceiro escalão do governo Russo, e quando Putin, ocupado com a preparação da guerra da Ucrânia, finalmente o recebeu, teve todo “apoio e solidariedade” que buscava, colocando o Brasil em mais uma situação de vergonha alheia internacional. A viagem à Rússia foi seguida de uma visita de cortesia à Hungria, e ao primeiro-ministro Viktor Orbán, um dos mais controversos e criticados líderes europeus da atualidade, que foi chamado de “irmão” por Bolsonaro. Sem esquecer sobre a posterior falta de condenação a tempo hábil da invasão da Ucrânia pelo governo brasileiro, algo jamais visto em duzentos anos de Itamaraty.
O conflito russo só deixou claro que estamos no caminho errado da diplomacia internacional. Temos nos apequenado como país atuante junto à ONU e perdido oportunidades valiosas em acordos internacionais em decorrência das ideias de um presidente que vive alheio à realidade mundial.
*Francis Ricken é advogado, mestre em Ciência Política e professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo (UP).