Acedriana Vicente Vogel*
โPrecisamos amar para nรฃo adoecerโ, disse o cรฉlebre Sigmund Freud. Muito antes da realidade contemporรขnea, com telas por todos os lados e a rotina corrida da grande maioria da populaรงรฃo, Freud jรก alertava sobre uma das dimensรตes mais importantes da vida humana: a preservaรงรฃo da saรบde mental por meio do afeto.
Trocar abraรงos, sorrisos e experiรชncias, conversar, brincar, rir com outras pessoas, todas essas interaรงรตes com outras pessoas nos ajudam a ser mais felizes. Mas estar emocionalmente saudรกvel รฉ muito mais que desenvolver relacionamentos saudรกveis. Por se tratar de um conceito muito amplo, quase um sรฉculo depois de Freud, a saรบde mental segue sendo uma questรฃo complexa, especialmente entre crianรงas e jovens. Essa amplitude dificulta a prevenรงรฃo, o diagnรณstico e o tratamento e, por conseguinte, mantรฉm o estigma e amplia o sofrimento psรญquico.
Contribuir para uma mudanรงa drรกstica nesse cenรกrio tambรฉm รฉ papel da escola. O levantamento internacional “Boas prรกticas de saรบde mental em escolas: um olhar para oito paรญses” mostra, ao longo de muitas pรกginas, as liรงรตes e propostas que escolas de vรกrias partes do mundo trazem para lidar com esse assunto em tempos de pandemia.
O fechamento das escolas por tanto tempo, consequรชncia direta da covid-19, impรดs a milhรตes de estudantes riscos ร saรบde fรญsica e mental, alรฉm de inseguranรงa alimentar, falta de proteรงรฃo contra a violรชncia domรฉstica e afastamento das atividades escolares. Confinados em suas casas, crianรงas e jovens se viram, de repente, longe do afeto, do convรญvio social e das possibilidades de interaรงรฃo. Drama parecido viveram os professores, que precisaram produzir e entregar suas aulas mesmo em condiรงรตes precรกrias de infraestrutura e conhecimento tecnolรณgico. Alรฉm da distรขncia do contato humano, esses profissionais tiveram de lidar com inรบmeros problemas tรฉcnicos e de infraestrutura.
Promover o bem-estar, nesse contexto, รฉ tarefa ainda mais dura. Como intervir e socorrer essas crianรงas e jovens antes que eles adoeรงam? Como acolher os medos e as frustraรงรตes dos professores em sua atividade profissional, evitando o desdobramento em sรญndromes de tratamento mais complexo? Responder a essas perguntas foi o grande desafio de escolas pรบblicas e privadas, do Canadรก ร Nigรฉria, do Brasil ao Reino Unido.
De repente, a saรบde mental precisou passar a ser a pauta prioritรกria tambรฉm quando o assunto รฉ educaรงรฃo. Isso exige uma arquitetura de trabalho que inclua alternativas de promoรงรฃo, prevenรงรฃo, tratamento e recuperaรงรฃo para quem vive, aprende e trabalha nesse ambiente que รฉ, por natureza, humanizador. Mas cuidar do emocional dos estudantes requer um passo para alรฉm dos muros da escola.
Alรฉm de estudantes e professores, รฉ imprescindรญvel incluir toda a comunidade escolar nessas iniciativas. Entre os fatores de sucesso para projetos de saรบde mental em escolas sรฃo destaque: amparo legal, orรงamento direcionado, investimento em comunicaรงรฃo e combate ao estigma, equipe dedicada, formaรงรฃo dos envolvidos, material estruturado, integraรงรฃo com o currรญculo, diagnรณstico e intervenรงรฃo precoce, processos claros de avaliaรงรฃo e envolvimento da comunidade, expandindo para um diรกlogo intersetorial. Ninguรฉm imaginou que seria simples, nรฃo รฉ mesmo?ย
No Brasil, instituiรงรตes de ensino jรก vislumbravam alguns desses aspectos antes mesmo da pandemia. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) prevรช as competรชncias socioemocionais como um componente fundamental do ensino formal, da Educaรงรฃo Infantil ao Ensino Mรฉdio. Trabalhar com essas competรชncias รฉ parte importante do sistema de suporte para a saรบde mental de estudantes e professores, com propostas de atividades curriculares que envolvam o autoconhecimento, a autorregulaรงรฃo, as habilidades de relacionamento, a consciรชncia social e a tomada de decisรฃo responsรกvel de maneira estruturada e contรญnua.
Parece pouco, mas รฉ um bom comeรงo quando se sabe que um fator determinante da saรบde mental รฉ a aquisiรงรฃo de capacidades que assegurem o bem-estar no enfrentamento dos desafios da vida. Se precisamos amar para nรฃo adoecer, como sugeriu Freud, o carinho com o bem-estar emocional do outro deve ser nosso ponto de partida.
*Acedriana Vicente Vogel รฉ diretora pedagรณgica do Sistema Positivo de Ensino.