No mês em que se celebra o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, Pequeno Príncipe lembra que o tratamento precoce pode atenuar o transtorno
No mês em que se celebra o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, o Pequeno Príncipe, maior hospital exclusivamente pediátrico do Brasil, lembra que a intervenção precoce é fundamental para o desenvolvimento cognitivo e qualidade de vida de crianças diagnosticadas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), assim como o acesso da família a informações de qualidade sobre os aspectos desse transtorno. A data 2 de abril foi estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de ampliar o conhecimento da sociedade a respeito do TEA e reduzir a discriminação e o preconceito em torno desse problema, que afeta uma em cada 160 crianças no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
O TEA é caracterizado por dificuldades de comunicação e interação social e pela presença de comportamentos e/ou interesses repetitivos ou restritos, conforme o Manual de Orientação Transtorno do Espectro do Autismo, elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Essa condição é permanente e não tem cura, mas a estimulação precoce pode contribuir para alterar o prognóstico e suavizar os sintomas.
O neurologista Anderson Nitsche, do Hospital Pequeno Príncipe, explica que desde 2013 vários tipos de autismo foram englobados em um único grupo, conhecido como Transtorno do Espectro Autista. Essa mudança foi estabelecida pela Associação Americana de Psiquiatria, que também classificou o autismo em três níveis, organizados a partir da quantidade de suporte que uma criança precisa receber para desenvolver as atividades previstas para a sua idade, sendo:
- Nível 1 – menor suporte.
- Nível 2 – suporte moderado.
- Nível 3 – muito suporte.
Durante a trajetória da criança, esses níveis podem mudar, de acordo com a condição de vida e a forma como o tratamento é desenvolvido.
Embora esteja centrado em dois eixos, a dificuldade de interação e comunicação sociais e o comportamento repetitivo e estereotipado, a pessoa com TEA pode apresentar também atraso do desenvolvimento da linguagem, dificuldades para se alimentar, irritação com barulhos, sons, toque e cheiros, por exemplo. Os especialistas chamam esse grupo de sintomas de alterações de processamento sensorial. “Por isso, é necessário um atendimento multidisciplinar, que possibilite abordar cada uma das características do autismo, com vistas a uma melhora global”, enfatiza o neurologista.
Sinais
A Sociedade Brasileira de Pediatria relata que os sinais do Transtorno do Espectro Autista podem surgir logo depois do nascimento, mas se tornam mais consistentes entre 12 e 24 meses de idade. Porém, o diagnóstico ocorre, em média, somente entre os 4 e 5 anos de idade. O diagnóstico tardio preocupa os especialistas, pois eles avaliam que a intervenção precoce possibilita melhoras significativas no funcionamento cognitivo e adaptativo da criança. Nesse sentido, é importante a identificação de marcadores já no primeiro ano de vida do bebê. Os sinais de alerta, de acordo a SBP, são:
- 6 meses: poucas expressões faciais; baixo contato ocular; ausência de sorriso social; pouco engajamento sociocomunicativo.
- 9 meses: não faz troca de turno comunicativa; não balbucia “mamã” e “papa”; não olha quando é chamado; não olha para onde o adulto aponta, imitação pouca ou ausente.
- 12 meses: ausência de balbucios; não apresenta gestos convencionais (abanar para dar tchau, por exemplo); não fala “mamãe” e “papai”; ausência de atenção compartilhada.
Já a partir do segundo ano de vida podem ficar mais evidentes os comportamentos repetitivos do corpo e também com os objetos, que são utilizados de modo incomum pela criança. O manual da SBP relata ainda outros sinais como o não compartilhamento de objetos e brincadeiras coletivas, poucas atitudes comunicativas, baixo contato visual, aumento da irritabilidade e de uma dificuldade maior que o habitual em regular as emoções negativas.
Projeto Integra
Buscando oferecer acesso ao diagnóstico diferencial e ao tratamento interdisciplinar a crianças e adolescentes com transtorno ou deficiência intelectual, múltipla e de autismo, o Pequeno Príncipe realiza o Projeto Integra, que oferta atendimentos em diversas modalidades como psiquiatria, fonoaudiologia, psicologia, terapia ocupacional e atendimentos comunitários.
Miguel Montagnini da Silva dos Santos, 7 anos, diagnosticado há dois com um transtorno leve, participa do Integra há menos de dois meses, fazendo terapia ocupacional. “Mesmo sendo cedo, já percebi uma melhora. Ele tem mais confiança para conversar e está tentando controlar a ansiedade”, conta a mãe, Rosemara da Silva dos Santos. Atenta ao desenvolvimento de seus três filhos, ela percebeu que o que ensinava para o mais novo e para o mais velho não funcionava com Miguel.
Mas foi quando começou a trabalhar em um centro de educação infantil que Rosemara confirmou sua desconfiança em relação ao diagnóstico do filho. Duas crianças autistas que estudavam lá apresentam o mesmo comportamento do menino. “Desde novinho percebemos, mesmo assim esperamos um pouco porque achamos que era por causa do filho mais novo que tinha chegado. Mas o tempo foi passando e percebi que ele não desenvolvia uma conversa, só falava o básico. Quando puxávamos assunto, ele saia de perto, resmungava, ficava irritado. Nas brincadeiras, ficava mais na dele, e tudo que rodava chamava a atenção dele: ventilador, máquina. E gostava de batucar”, lembra a mãe.
Em breve, Miguel passará por uma avaliação odontológica para ser acompanhado pelo dentista do Integra. “Tudo que ele precisar, vão fazer por aqui”, comemora Rosemara, que também fala da satisfação do filho em participar do projeto. “Ele vem bem tranquilo. Quando eu falo que tem projeto, ele fica todo faceiro e animado. Meu caçula de 4 anos fica até com ciúmes, porque o irmão chega contando o que aconteceu, e ele fala que também quer ir no médico”, diz.
Todo o atendimento de Miguel é gratuito. A iniciativa é colocada em prática com recursos provenientes do Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência (Pronas) e atende crianças e adolescentes de Curitiba e municípios da região metropolitana. O projeto tem cem vagas disponíveis e, atualmente, atende 60 pacientes.
Tratamento
O tratamento do autismo está centrado em terapias voltadas ao aumento do potencial do desenvolvimento social e comunicação da criança, redução de danos no funcionamento intelectual, melhora da qualidade de vida e desenvolvimento da autonomia. Em alguns casos, há indicação para o uso de medicamentos.
“É sempre importante observar não somente as dificuldades, mas também as potencialidades da criança e do adolescente. Por exemplo, uma pessoa que tem dificuldade de comunicação pode desempenhar atividades instrumentais de uma maneira muito à frente do seu desenvolvimento. O importante é que a gente consiga dar esse apoio e fornecer o tratamento que ela precisa”, ressalta a psiquiatra Jaqueline Cenci, que coordena o Integra.
O neurologista do Pequeno Príncipe destaca ainda que há três critérios fundamentais do tratamento terapêutico para crianças com TEA: a aplicação de terapias específicas para o autismo (um dos métodos mais consagrados é a Análise do Comportamento Aplicada – ABA, em inglês); o início precoce do tratamento para obtenção de melhores resultados em longo prazo; e a sua realização de maneira intensiva, com um programa terapêutico que incorpore, no mínimo, de cinco a dez sessões por semana.
O tratamento deve ser multidisciplinar e envolver, além de um pediatra, psicólogo, fonoaudiólogo e terapeuta ocupacional. De forma complementar, outras terapias podem ser desenvolvidas, como musicoterapia, terapias relacionais e psicoterapia.
O neurologista reforça que as crianças podem apresentar dificuldades de interação social, que são consideradas normais em alguns momentos. Mas, se houver uma suspeita de atraso no desenvolvimento, será essencial investigar e iniciar o tratamento o quanto antes, pois ele oportuniza ganhos importantes no desenvolvimento neuropsicomotor das crianças.