A sexualidade é intrínseca aos seres humanos, mas a possibilidade de exercê-la dignamente não é a mesma para todos. Mais de 17 milhões de pessoas com deficiência precisam lutar para ter acesso a ela no Brasil. Seus corpos são percebidos como infantis, assexuais, hipersexuais, entre outras características, e essa distorção alimenta o preconceito e os estereótipos sofridos por eles.
Com o propósito de combater a desinformação sobre a relação entre sexualidade e gênero de pessoas com deficiência, a Ação Social para Igualdade das Diferenças (ASID Brasil) e o Instituto Mara Gabrilli produziram a cartilha “Vivências da Sexualidade na Deficiência e a Compreensão de Gênero”. O conteúdo foi elaborado pela neuropsicóloga Francisca Edinete e pelos assistentes sociais Rafael Fernandes e Anali Santos, e a análise e compilação de dados foram realizadas pelas assistentes sociais Bruna Morais e Maria Aparecida Valença.
A ideia do projeto surgiu após uma capacitação sobre o tema denominada “Troca de saberes”, promovida pela ASID, em parceria com o Instituto Mara Gabrilli, em novembro de 2020. Devido à demanda dos participantes por um material complementar, as organizações estruturaram a cartilha com os principais pontos e questionamentos apontados durante o encontro. “Aproveitamos tudo o que veio de insumo na capacitação, entre dúvidas e mitos”, explica Bruna Morais, do Instituto Mara Gabrilli.
Sexualidade e gênero permeiam o cotidiano das pessoas com deficiência e de suas famílias e a cartilha é uma ferramenta com informações qualificadas acerca desses assuntos. Embora o artigo 6° do Estatuto da Pessoa com Deficiência explicite que a deficiência não afeta os direitos sexuais e reprodutivos, há diversas falsas premissas a respeito da temática. Por isso, a proposta do documento é promover a compreensão de que esses aspectos integram o desenvolvimento humano e minimizar os obstáculos enfrentados pelas pessoas com deficiência.
“Nossa responsabilidade como organização que atua em prol da inclusão social é trazer à tona e desmistificar assuntos muitas vezes considerados difíceis por pessoas com deficiência e familiares. Mais importante ainda é simplificá-los de forma que fique acessível a compreensão do assunto para o público alvo”, afirma a diretora executiva da ASID, Isabela Bonet.
Assexualidade e hipersexualidade estão entre os mitos debatidos
O material enumera os principais desafios relacionados à conexão entre sexualidade e deficiência, como o estigma da incapacidade. Nele, a deficiência é considerada uma barreira para todas as áreas da vida, impedindo também o exercício satisfatório das relações afetivas. Um mito muito comum é o da assexualidade. Esse equívoco está diretamente vinculado à crença de que pessoas com deficiência são dependentes e infantis e, portanto, incapazes de usufruir de uma vida sexual.
Outra falsa premissa é a da hipersexualidade, como se pessoas com deficiência fossem pervertidas e sentissem desejos incontroláveis. Com a normalização de padrões estéticos, o sexo é considerado uma performance de corpos que atendem esses pré-requisitos e aqueles com deficiência são vistos como pouco atraentes, indesejáveis e incapazes de conquistar um parceiro amoroso e sexual.
Há ainda a ideia de que a deficiência impede o sexo com penetração e o orgasmo, resultando em disfunções sexuais vinculadas ao desejo e ao clímax. “A deficiência pode até comprometer alguma fase da resposta sexual, mas isso não impede a pessoa de ter sexualidade e de vivê-la”, diz a cartilha. O último mito do documento é o de que a deficiência acarreta problemas no campo da reprodução como esterilidade, filhos com deficiência e dificuldade de cuidar dos descendentes.
Material enfatiza a importância do diálogo
No âmbito das questões de gênero, a cartilha comenta as expectativas sociais e como pessoas sem deficiência não estão imunes a elas. Ao diferenciar identidade de gênero, orientação sexual e expressão de gênero, a cartilha mostra a diversidade de vivências e possibilidades no campo das experiências afetivas.
É essencial destacar que a inclusão das pessoas com deficiência não ocorre apenas com o rompimento das barreiras físicas: ela também é fruto de atitudes comportamentais. O material evidencia a falta de um olhar direcionado para as necessidades das pessoas e que conhecimento e diálogo são instrumentos capazes de mudar esses estigmas. “Fortalecer o diálogo é indispensável, tanto com profissionais de saúde, como com a família, para não privar a pessoa com deficiência. Se os pais não se sentem à vontade, podem acionar postos de saúde”, esclarece Bruna.
A falta de orientação sobre sexualidade e gênero deixa as pessoas com deficiência em uma posição de vulnerabilidade. Por isso, é preciso expor esses assuntos da maneira mais natural possível. Entre as dicas apresentadas para facilitar a abordagem estão: falar de forma clara, explicar sobre o corpo, higiene e cuidado, adaptar o assunto para a faixa etária e evitar fragilizar a pessoa.
Sobre a ASID Brasil
A ASID é uma organização social voltada à construção de uma sociedade inclusiva por meio de projetos de responsabilidade social, como voluntariado, inclusão no mercado de trabalho e desenvolvimento de gestão de organizações parceiras. Com mais de dez anos de atividades, tem mais de 100 mil pessoas impactadas e mais de 7 mil voluntários. A ASID também possui reconhecimento a partir de prêmios nacionais e internacionais, como o Melhores ONGs Época e o United People Global. Mais informações em https://asidbrasil.org.br/
Sobre o Instituto Mara Gabrilli
O Instituto Mara Gabrilli é uma organização sem fins lucrativos com o objetivo de promover a inclusão de autonomia de pessoas com deficiência através de projetos de assistência social que resgatam a autonomia e dignidade dessas pessoas, e do suporte e instrução sobre seus direitos. O instituto atua há mais de 20 anos e é uma referência em inclusão, acessibilidade e promoção da cidadania das pessoas com deficiência. Mais informações em https://img.org.br/