Daniel Zanella*
Em 1953, Cecรญlia Meireles retratou a histรณria de Minas Gerais desde o inรญcio da colonizaรงรฃo portuguesa atรฉ a Inconfidรชncia Mineira (1789-1792). Depois de mais de dez anos de pesquisa jornalรญstica, o Romanceiro da Inconfidรชncia se estabeleceu como um marco de nossas letras. Ainda trouxe versos marcantes sobre o que รฉ liberdade:ย
Liberdade โ essa palavra
que o sonho humano alimenta:
que nรฃo hรก ninguรฉm que explique,
e ninguรฉm que nรฃo entenda!
Quase 70 anos depois e ร s vรฉsperas do segundo turno das eleiรงรตes presidenciais no Brasil โ um perรญodo nรฃo exatamente reconhecido pela plasticidade lรญrica, nem pela inteligรชncia no uso das exclamaรงรตes โ, novamente estamos ร s voltas de um monotema que sempre emerge em dias chuvosos da esfera pรบblica brasileira: liberdade de imprensa. E รณbvio que nรฃo se trata de ter mais liberdade de imprensa.
A liberdade de imprensa รฉ defendida pela Constituiรงรฃo e รฉ tida como um dos pilares da democracia brasileira. Se recuarmos um pouco mais no tempo, no entanto, perceberemos que ela nunca foi um valor especialmente caro ao Brasil e ร turma da caneta pesada. Antes de 1808, sequer era permitido imprimir qualquer coisa, que dirรก circular ideias diversas. Nosso primeiro jornal, A Gazeta do Rio de Janeiro, era submetido ร censura prรฉvia.ย
Diante de sucessivas decisรตes de retirada de conteรบdo jornalรญstico do ar por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), discutir tal prรกtica hoje, alรฉm dos limites do Jornalismo (ou do mau Jornalismo), รฉ pertinente. Nรฃo se trata apenas do entendimento do TSE โ que pode gerar precedentes perigososโ, mas tambรฉm da relembranรงa do histรณrico nacional de cerceamento ao Jornalismo.
Antes: sabemos que empresas de conteรบdo sรฃo formadas por pessoas e por jornalistas. Quando pensamos em liberdade de imprensa, nรฃo podemos deixar de pensar em cosmovisรฃo โ visรฃo geral da vida de pessoas e, aqui, de veรญculos noticiosos. Jornais erram, jornais acertam. Melhor: enxergam conforme o prisma da realidade que recortam. ร o jogo.
Discutir orientaรงรฃo editorial de veรญculos de informaรงรฃo, quando tratamos de liberdade de imprensa, รฉ inรณcuo. Discutir decisรตes que colocam o Judiciรกrio na posiรงรฃo de decidir sobre o que um veรญculo jornalรญstico precisa despublicar รฉ fundamental. O Jornalismo รฉ uma รกrea de interesse pรบblico. Opera a partir da busca pela verdade factual e da prรกtica de princรญpios รฉticos profissionais. Como um ministro do TSE conseguirรก diferenciar reportagem mal apurada de fake news + clickbait, por exemplo?
ร possรญvel fazer o combate ร s fake news e questionar o Jornalismo de baixa qualidade com critรฉrios do lado de cรก, a partir da prรณpria classe e da sociedade civil, sem interferรชncia estatal. As iniciativas que partiram do Estado contra a desinformaรงรฃo (ou qualquer informaรงรฃo) sempre foram desastrosas. ร o combo censura, perseguiรงรฃo polรญtica e prisรตes. Por sua vez, a liberdade editorial permite a pluralidade de informaรงรตes e a livre circulaรงรฃo de ideias. O Estado, aliรกs, nรฃo produz Jornalismo. O Estado produz releases.
Em tempo, liberdade de imprensa nรฃo รฉ liberdade para agredir, manipular ou mentir. Mas nรฃo seria melhor corrigir em tempo hรกbil, esclarecer o erro com o mesmo destaque da publicaรงรฃo original (seguindo trรขmites judiciais, inclusive)? Apagar uma publicaรงรฃo retira da sociedade o potencial de cobrar o trabalho do Jornalismo โ e de observar, na prรกtica, quando o veรญculo se vรช obrigado a retificar uma informaรงรฃo verificada como falsa.
A livre circulaรงรฃo de informaรงรฃo nos diferencia dos tempos monรกrquicos e do passado recente da Ditadura. Jornalismo informa, incomoda, acerta, erra. Praticar Jornalismo com liberdade de imprensa รฉ um sonho humano a ser alimentado, independentemente do que consideramos bom ou mau Jornalismo.ย
*Daniel Zanella, jornalista, professor de Jornalismo da Universidade Positivo (UP) e editor do RelevO, impresso mensal de literatura.