Maristela Reis S. Gripp (*)
O Quebec é uma província do Canadá que fica na Costa Leste. Dizem que é a única cidade murada fora da Europa, além de ser considerada a cidade mais francesa das cidades do Canadá. Os quebequenses têm o francês como primeira língua. Um charme!
Mas, além de toda a beleza do lugar, uma coisa chama a atenção dos visitantes: as placas dos automóveis trazem, além da numeração, uma frase inscrita: Je me souviens (Eu me lembro). Achei o significado lindo e quis saber o porquê dessa inscrição. Descobri, entre outras coisas, que essa frase é o lema do Quebec e também uma homenagem aqueles que ajudaram na sua formação. Os quebequenses são muito orgulhosos da sua origem francesa e usam a frase Je me souviens como uma forma de cultuarem às suas origens.
O livro “Viva o povo brasileiro”, de Darcy Ribeiro, é uma espécie de memorial da origem do Brasil e dos brasileiros. Segundo o autor, o nosso começo foi bastante sofrido. Para começar, só temos o testemunho do invasor. Negros e índios nunca tiveram a palavra para relatarem o que lhes aconteceu.
Naquele contexto, a Igreja publicou algumas bulas papais ajudando a fazer a divisão do mundo entre Portugal e Espanha. As bulas davam carta branca à escravização dos povos originários e de todos que se opusessem ao novo momento. Darcy Ribeiro comenta que “os recém-chegados eram gente prática, experimentada, sofrida, ciente de suas culpas oriundas do pecado de Adão, predispostos à virtude, com clara noção dos horrores do pecado e da perdição eterna. Os índios nada sabiam disso”.
A política salvacionista instituída pelos jesuítas era baseada na falsa crença de que estavam cumprindo um mandado de Deus no novo mundo. Eram soldados apostólicos da cristandade universal e, com isso, acabaram ajudando no extermínio de milhares de povos que antes viviam em prosperidade e alegria.
Para o autor, a colonização portuguesa desejava mais do que os produtos que a terra poderia lhes dar. Desejava tomar para si um povo-nação que se multiplicava prodigiosamente, os mestiços. A única desses brasileiros era a defesa e a escravização. Darcy Ribeiro diz ainda que, nesse afã de gastar gentes e matas, bichos e coisas para lucrar, os portugueses acabaram com as florestas e “gastaram gente aos milhões”.
A colonização do Brasl foi feita com um grande esforço e persistência diante de desafios inimagináveis para implantar uma civilização europeia nos trópicos. Entretanto, encontrou a resistência da natureza e da história que nos fez totalmente opostos àquela branquitude e civilidade almejadas pelo colonizador, resultando no final num povo: deseuropeu, desíndio e desafro.
Relembrar a história do Brasil pode nos trazer vergonha e dor. Mas, talvez, seja esse exercício que nos falta para nos entendermos como um povo e um país. São muitas as circunstâncias que nos fizeram ser o país que somos hoje.
A nossa história sempre foi de luta e de resistência. Somos um povo que resiste e insiste em existir nessa nova ordem mundial que exclui mais do que inclui. Lembrar a nossa história deve ser o combustível para fazermos mais e melhor por todos. Ferramentas não nos faltam.
Eu me lembro, Brasil!
Maristela Reis S. Gripp é doutora em Estudos Linguísticos e professora do curso de Letras do Centro Universitário Internacional Uninter.