Uma história de cinema

Candice Almeida*

 

Há quase 20 anos, trabalho como professora de Ensino Médio. Sempre fui efervescente defensora de que cada aluno escolha seu caminho. “Sigam seus sonhos”, bradava eu. Naquele tom de conselho e ordem para também conseguir a adesão de plateias. Sempre, claro, com aquele dedo em riste, típico de adultos que acham que sabem muito e, portanto, se surpreendem pouco. Nossa busca como docente é encontrar mecanismos para promover a liberdade para que os alunos sejam quem eles queiram ser. E a vida dá voltas. Eis que minha vez de lidar com a teoria chegou. 

Meu filho abriu mão de uma faculdade de engenharia aeroespacial em uma universidade renomada fora do país em busca de menos paredes e mais horizontes. Fugindo daquele roteiro esperado para vida do brasileiro médio, nem medicina, nem engenharia, nem direito ele quis. Numa tentativa de conciliar aptidões com desejo, resolveu escrever uma história no cinema. O roteiro adaptado está se transformando em um pra lá de original. E o desafio da docência se une com o desafio da maternidade. 

Assim como tantos dos meus alunos, meu filho busca fazer parte de algo, busca contatos e experiências que tirem nosso fôlego, desafiam nossos cérebros e preenchem o coração. Afinal de contas, verdade verdadeira mesmo é que buscamos reconhecimento acima de tudo. 

E o que posso fazer por ele e por tantos alunos que (ainda bem) fogem dos padrões é ajudá-los a sonhar com o futuro deles, um sonho de liberdade. Pois desgraça mesmo é imaginar um mundo em que todos estejam submetidos ao mesmo horizonte. Isso sim é um filme de terror. Corra, Lola, corra!

Em um país com tanto déficit de cidadania, confesso que é um alento ver meus pupilos debruçados sobre a cultura, esse conjunto de práticas, técnicas, símbolos e valores que só existe pois “a vida não basta”, como bem disse Ferreira Gullar. Esse grupo tem um mundo aí a ser transformado, um país a ser construído. Uma tropa de elite cuja função é modificar a elite da tropa. Claro que não é fácil. O “siga seu desejo e seja feliz” desconsidera o patriarcado, a desigualdade, os privilégios, ou seja, é um imperativo cultural fonte de sofrimento. Nosso papel, portanto, de mestres e exemplos é mostrar que o desejo também é uma invenção que acontece a cada dia, não só baseado no passado e nas nossas histórias, mas também ao vento de encontros, oportunidades e acasos. Como bem disse o gênio Ariano Suassuna, histórias difíceis de serem vividas são ótimas de serem contadas.

Há muitas coisas em falta no mundo, uma delas é jovens corajosos. Que cada um promova sua própria festa de Babette. E viva o cinema que ganhou mais um defensor ardoroso dessa arte. A mim, como professora e mãe, só resta aplaudir tamanha decisão. Serei a primeira a comprar a pipoca. Um touro indomável está à solta. Eu acredito na vida antes da morte. E sempre, claro, lembrando de Guimarães Rosa, viver é realmente muito perigoso. Verdades absolutas também são. E que se inicie o filme!

*Candice Almeida, professora de Redação do Colégio Positivo e assessora pedagógica de Redação no Centro de Inovação Pedagógica, Pesquisa e Desenvolvimento (CIPP) dos colégios do Grupo Positivo.

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