João Alfredo Lopes Nyegray*
Criada em 1945 sob as cinzas do maior e mais grave conflito da história humana, a Organização das Nações Unidas (ONU) nasceu com a promessa de “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra”. Seus órgãos principais são o Secretariado, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), o Conselho Econômico e Social (ECOSOC), a Assembleia Geral e, é claro, o Conselho de Segurança (CS). Ainda que o mais representativo dos órgãos das Nações Unidas seja a Assembleia Geral – composta por 193 estados-membros –, o mais importante órgão em termos políticos é o Conselho de Segurança.
Como seu próprio nome nos permite aferir, dentre suas atribuições mais importantes está zelar pela paz e segurança internacionais, seja pela emissão de recomendações ou pela aplicação de sanções econômicas, autorização do uso da força e de intervenção militar ou, ainda, pelo envio de missões de paz.
O Conselho compõe-se de 15 membros, sendo 5 permanentes e 10 temporários, com mandatos de 2 anos, distribuídos por grupos regionais. A ideia é que, a todo momento, a América Latina e o Caribe, a África, a Europa Ocidental e a Oceania, a Europa Oriental e a região da Ásia-Pacífico estejam sempre representados. Os cinco membros permanentes, não por acaso, são os grandes vencedores da Segunda Guerra Mundial – após a qual a ONU foi criada: Estados Unidos, Inglaterra, França, Rússia e China.
Além da óbvia diferença do tempo de permanência, outra distinção entre os membros permanentes e os membros temporários do Conselho de Segurança é o chamado poder de veto, expresso no artigo 27 da Carta da ONU. Isso significa que os membros permanentes podem bloquear decisões do Conselho sobre qualquer tema e em qualquer discussão. É exatamente esse poder que – quando usado pela Rússia – bloqueou decisões do CS contra o genocida líder sírio Bashar al-Assad; quando usado pelos EUA permitiu uma invasão ilegal ao Iraque, em 2003; ou quando usado pela França, manteve a Ilha Mayotte com Paris após a independência de Comores, em 1976.
O poder de veto vem sendo usado politicamente há décadas, e permite que os membros permanentes do Conselho congelem a atuação das Nações Unidas quando lhes convém. A Rússia, por exemplo, vem sucessivamente vetando qualquer discussão que seja favorável à Ucrânia, após invadir o país ano passado. Por certo que, se quando a ONU foi criada, os membros permanentes do CS expressavam os países mais poderosos do mundo em termos militares e políticos, hoje esse reflexo já não existe.
E é justamente em meio à guerra na Ucrânia, e em meio à maior crise de refugiados na Europa desde o final da Segunda Guerra que a Rússia assumiu a presidência do Conselho de Segurança. Essa presidência é assumida de forma rotativa pelos membros permanentes e não permanentes, e dura cerca de um mês. O presidente do Conselho preside discussões, controla a pauta e os cronogramas de discussão, guia e gerencia os debates e também os projetos de resolução.
Por todas as atribuições que lhe compete nas próximas semanas, há um fundado receio de que a Rússia se utilize do poder institucional que terá para dissuadir qualquer debate a respeito da agressão que vem cometendo contra os ucranianos. Devemos ressaltar que a própria ONU já documentou milhares de crimes de guerra cometidos pelos russos nesse conflito. Ter a Rússia como presidente do Conselho equivaleria a colocar um traficante na condução de políticas antidrogas. Se esse fato escancara algo é a urgente necessidade de reforma do Conselho de Segurança, ainda que qualquer ação nesse sentido seja certamente vetada.
*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior na Universidade Positivo (UP). Instagram @janyegray