João Alfredo Lopes Nyegray*
A região ucraniana de Kherson, sob o controle russo, foi palco não apenas de mais um crime de guerra, mas de um ataque que resultou na dramática ruptura da barragem da usina hidrelétrica de Nova Kakhovka. Em um curto período de tempo após a explosão, o nível da água atingiu um estado crítico, e estima-se que mais de 600 quilômetros quadrados tenham sido inundados. A barragem, que represava cerca de 2.000 quilômetros quadrados de água, era o maior reservatório da Ucrânia – e sua água era utilizada até mesmo para resfriar os reatores da usina nuclear de Zaporizhia. Atualmente, relatos apontam que o nível da água subiu mais de 11 metros em algumas áreas, resultando não apenas em perdas humanas, mas também em danos ambientais de proporções incalculáveis e potencialmente irreversíveis.
Localizada no Rio Dniepre, a barragem destruída foi construída na década de 1950 e apresentava uma estrutura altamente reforçada, tornando sua demolição uma tarefa desafiadora. Assim, logo após o evento, algo bastante comum nessa guerra ocorreu: um confronto de narrativas. Os russos acusam os ucranianos, embora isso pareça contraditório, considerando o domínio russo na área, enquanto os ucranianos responsabilizam Moscou por mais um crime de guerra. Não há indícios de que a explosão tenha sido causada por mísseis ou artilharia pesada, sendo mais provável que tenha ocorrido internamente à barragem.
Em relação às evidências, as autoridades ucranianas de segurança alegam ter interceptado uma chamada telefônica que comprovaria o envolvimento da Rússia na destruição da barragem. O serviço de segurança do país divulgou nas redes sociais um áudio com cerca de um minuto e meio, no qual um militar russo admite que um grupo de sabotadores leais ao Kremlin foi responsável pela explosão.
Vasyl Malyuk, diretor dos Serviços de Segurança da Ucrânia (SBU), afirmou nas redes sociais que “Ao destruir a barragem da central hidrelétrica de Kakhovka, a Federação Russa demonstrou de uma vez por todas que representa uma ameaça para toda a comunidade civilizada. Afinal, somente um Estado verdadeiramente terrorista poderia causar uma catástrofe humana e ambiental dessa magnitude. A Rússia será definitivamente responsabilizada por esse ato”.
Mais de 40 mil pessoas na região de Kherson foram afetadas pela destruição da barragem. Além disso, surge a preocupação com o “ecocídio”, termo utilizado para descrever o extermínio ou a destruição deliberada e em larga escala dos ecossistemas naturais de um determinado local. Embora ainda não possua um reconhecimento legal internacional, o termo é utilizado para descrever ações humanas que causam danos graves e irreversíveis ao meio ambiente, como perda de biodiversidade, degradação dos recursos naturais, poluição, mudanças climáticas e outros impactos significativos no equilíbrio ecológico – o que certamente ocorreu.
Após a destruição da barragem, a Organização das Nações Unidas (ONU) alertou para o impacto direto que o ocorrido pode ter na segurança alimentar global, uma vez que manchas de óleo, cadáveres e animais mortos estão se espalhando na área. Plantações foram inundadas e substâncias nocivas, como metais pesados, combustíveis, fertilizantes e centenas de outros produtos químicos, se misturaram à água das inundações.
Ao longo das margens do reservatório haviam indústrias químicas e siderúrgicas, o que aumenta a preocupação de que metais pesados e substâncias tóxicas se disseminem pela região inundada, contaminando vastas áreas da Ucrânia que anteriormente eram produtoras de alimentos. Armazéns de pesticidas foram destruídos e postos de combustível tiveram seus reservatórios inundados, agravando ainda mais os danos ambientais resultantes da explosão da barragem.
O zoológico de Kazkova Dibrova, localizado na região da barragem, foi completamente destruído pela enchente, resultando na morte de todos os animais que viviam lá. A água alcançou regiões disputadas por Ucrânia e Rússia, e centenas de minas terrestres previamente implantadas pelos russos estão agora à deriva na área afetada.
Enquanto a humanidade se esforça para promover a paz e a preservação ambiental, as ações russas, mais uma vez, seguem em direção oposta. O ataque à represa de Nova Kakhovka é indubitavelmente mais um dos crimes de guerra que podem ser atribuídos a Moscou.
*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior na Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray