O Brasil no comando do Mercosul

Joรฃo Alfredo Lopes Nyegray*

 

Criado em 1990 com o objetivo de promover a integraรงรฃo econรดmica e desenvolvimento regional de Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai, o Mercosul, tambรฉm conhecido como Mercado Comum do Sul, nรฃo รฉ apenas um bloco econรดmico, mas tambรฉm fruto de um processo de integraรงรฃo regional. Entre os principais objetivos estรฃo a livre circulaรงรฃo de bens, serviรงos e fatores produtivos entre os paรญses-membros, assim como a coordenaรงรฃo de polรญticas macroeconรดmicas e a negociaรงรฃo conjunta em acordos comerciais com terceiros paรญses ou outros blocos.

Naturalmente, o Brasil รฉ o maior membro do acordo, representando a maior economia e o maior mercado consumidor. A Argentina รฉ o segundo maior paรญs em termos de economia e comรฉrcio dentro do Mercosul. Atualmente, os produtos agrรญcolas, como carne bovina, soja e aรงรบcar estรฃo entre os itens mais importantes nas trocas comerciais internas do Mercado Comum.ย 

No entanto, ainda que um dos objetivos declarados do Mercosul seja a integraรงรฃo econรดmica, nota-se uma substancial restriรงรฃo ร s exportaรงรตes brasileiras por parte dos nossos principais parceiros comerciais. Segundo um relatรณrio da Confederaรงรฃo Nacional da Indรบstria (CNI) apresentado ao governo Lula, aproximadamente 61,4% das exportaรงรตes brasileiras para a Argentina foram impactadas por barreiras comerciais de algum tipo, o que equivale a um impacto de US$ 9,4 bilhรตes num total de US$ 14,3 bilhรตes exportados para o paรญs vizinho em 2022.

Hรก uma grande quantidade de produtos brasileiros que, para entrar na Argentina, sofrem de barreiras tรฉcnicas, demora na autorizaรงรฃo para a entrada no paรญs e dificuldades em receber o pagamento apรณs a venda (o governo argentino restringe a compra de dรณlares por pessoas e empresas). Certamente, muito desse cenรกrio deve-se ร  crise contรญnua que a Argentina enfrentaย  hรก alguns anos, mas Alberto Fernandez e Lula parecem – convenientemente – esquecer dos obstรกculos impostos pela Casa Rosada aos nossos produtos. Desde a eleiรงรฃo de Lula da Silva, o presidente argentino realizou diversas visitas ao Brasil e chegou a prometer o financiamento de importaรงรตes argentinas de produtos brasileiros. Desde o inรญcio de seu mandato, Lula vem criticando severamente organismos internacionais como o Fundo Monetรกrio Internacional (FMI), e buscando defender a Argentina e os repasses financeiros de bancos,como o banco dos BRICs, ao paรญs de Fernรกndez.ย 

Agora, na reuniรฃo dos presidentes do Mercosul โ€“ a primeira desde 2019 com a presenรงa do presidente brasileiro โ€“ o Brasil assume a presidรชncia do bloco. A presidรชncia รฉ exercida de forma rotativa entre os membros, e o Paraguai deve assumi-la em seis meses. Nesse momento, caberรก a Lula destravar acordos comerciais entre o Mercosul e outros paรญses e blocos, como a Uniรฃo Europeia (UE).ย 

Esse รบltimo acordo, em especial, levou cerca de 20 anos para ser concluรญdo e tem como objetivo eliminar tarifas e reduzir barreiras nรฃo tarifรกrias em uma ampla gama de setores econรดmicos como agricultura, indรบstria, serviรงos, compras governamentais, propriedade intelectual, desenvolvimento sustentรกvel e soluรงรฃo de controvรฉrsias comerciais. Quando entrar em vigor, serรก o maior acordo comercial do mundo e abrangerรก quase 800 milhรตes de consumidores. Apesar das negociaรงรตes terem sido concluรญdas no governo Temer, ainda hรก muito para que passe a valer. Os europeus, em especial os franceses, estรฃo receosos da forรงa do nosso agronegรณcio, e temem que a forรงa dos latifรบndios do Mercosul acabem com as pequenas produรงรตes europeias. Por isso, a Europa vem criticando tanto as polรญticas ambientais do Mercosul, o que representa uma maneira de atrasar a ratificaรงรฃo do acordo nos parlamentos dos paรญses-membros da UE.ย 

Alรฉm do avanรงo no acordo de livre comรฉrcio entre Mercosul e Uniรฃo Europeia, outro desafio que serรก enfrentado pelo comando brasileiro รฉ a tentativa uruguaia de estabelecer um acordo prรณprio de livre comรฉrcio com a China. Se isso acontecer, serรก difรญcil para produtos brasileiros, argentinos e paraguaios serem suficientemente competitivos para entrar no vizinho do sul.ย 

Fato รฉ que, com ou sem o Brasil na presidรชncia rotativa do Mercosul, hรก inรบmeros desafios para o crescimento e a consolidaรงรฃo do bloco, que nรฃo possui nenhum acordo comercial com paรญses entre as 10 maiores economias do mundo. Enquanto Lula insiste que a Venezuela repressiva รฉ uma democracia, perde-se a oportunidade de se expandir as fronteiras do nosso comรฉrcio nรฃo apenas para paรญses verdadeiramente democrรกticos, mas tambรฉm para naรงรตes que representam uma oportunidade de mercado para nossos produtos.ย 

*Joรฃo Alfredo Lopes Nyegray รฉ doutor e mestre em Internacionalizaรงรฃo e Estratรฉgia. Especialista em Negรณcios Internacionais. Advogado, graduado em Relaรงรตes Internacionais. Coordenador do curso de Comรฉrcio Exterior na Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray

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