ARTIGO: O sonho do carro zero: investimento ou peso no bolso?

*Caroline Milanez

Ao longo das gerações, ter um carro zero-quilômetro na garagem sempre foi um símbolo de prosperidade financeira e estabilidade. Todavia, esse sonho parece estar se tornando cada vez mais complexo, especialmente para as famílias brasileiras de classe média.

Por muitos anos, os chamados carros de entrada foram considerados a opção ideal para quem buscava adquirir um carro novo, devido aos preços mais acessíveis que ofereciam. Referindo-se aos modelos mais básicos, também chamados de “carros populares”, essas versões simples eram mais econômicas e indicadas para consumidores que não desejavam ou não podiam investir muito em um carro zero. No entanto, o perfil do consumidor e o cenário socioeconômico vêm mudando nos últimos anos, o que nos faz refletir: vale a pena investir em carros mais populares?

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) corrigiu os valores dos carros populares, que variam entre R$ 42 mil e R$ 55,1 mil. Atualmente, o modelo mais acessível vendido no país é o Renault Kwid, com preço inicial de R$ 58.990,00. Seria este um valor verdadeiramente popular para um carro? Sem levar em conta as demais despesas associadas à posse de um automóvel, como seguro, licenciamento, emplacamento, IPVA e a inevitável depreciação. Na ponta do lápis, os gastos para se ter um carro próprio vão além das parcelas do financiamento com altos juros ou o pagamento à vista: os seguros costumam variar entre 3% e 5% do valor de mercado do veículo, somados aos custos de licenciamento e emplacamento, que variam conforme o Estado e situam-se entre R$ 150,00 e R$ 500,00, respectivamente, além do IPVA, que  em média, está 10% mais caro em todo o país. A depreciação também é inevitável: a cada ano, um carro perde cerca de 15% de seu valor até alcançar o patamar zero.

Os motivos para o considerável aumento nos valores e nas despesas são inúmeros:  inflação no setor automotivo, paralisação das fábricas em 2020, a problemática da escassez de componentes e o desequilíbrios nas cadeias produtivas globais. Todos esses fatores culminaram em uma crise de oferta, resultando no aumento dos preços. Além da escassez de oferta e componentes, a valorização do dólar também colaborou para os preços elevados.

Reforçando ainda mais o senso comum de que adquirir um carro é custoso, um estudo inédito sobre a relação dos brasileiros com os automóveis, realizado pela Serasa em parceria com o instituto Opinion Box, em dezembro de 2022, revelou que os custos associados à compra e manutenção de um carro estão entre os três maiores gastos anuais em 63% dos lares brasileiros. Em face do considerável “peso” no bolso, os consumidores brasileiros têm optado por novas modalidades e formatos que priorizam o uso dos carros, em detrimento da posse. Dentre as opções,  a assinatura de automóveis tem se destacado. Uma abordagem relativamente nova no setor de locação de veículos, a modalidade tem recebido uma  aceitação crescente. Dados da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (ABLA) revelaram que a frota de veículos destinados à assinatura cresceu 20,8% entre janeiro e outubro de 2022.

Esse verdadeiro “streaming de carros” defende o uso desse bem de forma contínua. Em vez de adquirir um veículo próprio, o consumidor assina um carro por um período específico, pagando apenas uma mensalidade e desfrutando dos benefícios de não arcar com tributos ou despesas extras, além de ter um carro zero na garagem durante um período determinado – podendo trocá-lo por outro novinho ao término do contrato.

Alinhada ao novo perfil do consumidor brasileiro, a assinatura exime o motorista de se preocupar com burocracias, despesas, revenda do automóvel e, principalmente, é uma alternativa mais econômica, visto que, em muitos casos, a assinatura de um carro é mais vantajosa financeiramente. Além de ser uma opção para o penoso processo de aquisição de um carro próprio, a crescente modalidade de assinatura reflete uma mudança na mentalidade do consumidor, que já não considera mais essencial ter um carro próprio, mas, sim, focar na necessidade do uso e economia gerada. Esses novos clientes – que tendo a chamar de inquilinos ou experimentadores – priorizam o acesso a bens e experiências, seja por meio de trocas, compartilhamento, aluguel ou streaming de carros.

A virada de chave – do carro e do mindset das pessoas – enxerga valor na experiência de consumo, na responsabilidade coletiva e econômica e no entendimento de que não é mais necessário possuir algo, quando se pode pagar apenas pelo seu uso. Hoje, o status está em  usufruir de serviços e bens com inteligência financeira, emocional e sustentável.

*Caroline Milanez é gerente comercial do V1.