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D. Pedro e o caso das joias

Daniel Medeiros*

 

Foi no domingo, 17 de novembro de 1889, às três horas da madrugada, que começou o exílio de D. Pedro e sua família, além da companhia de alguns amigos, como o barão e a baronesa de Loreto, que deixou uma série de apontamentos sobre os vinte dias de viagem do vapor Alagoas, que partiu de Angra dos Reis até Portugal, primeira parada da curta trajetória do já velho e cansado imperador, que faleceu dois anos depois, aos 66 anos de idade.

Pouco antes de D. Pedro partir, os militares, que tinham liderado um golpe contra a já combalida monarquia, ofereceram uma polpuda quantia a título de indenização pelos serviços prestados pelo imperador ao país. Depois de terem sido pouco educados com o monarca, exigindo que ele partisse em quarenta e oito horas e de madrugada, para não “excitar as massas”, agora, os militares buscavam corrigir o erro “forrando” as mãos no imperador. D. Pedro, porém, recusou a oferta, e partiu quase sem dinheiro. Na Europa, viveu dos favores dos amigos e parentes, e passou os últimos meses de vida em um quarto de hotel no centro de Paris.

Durante a viagem, comemorou seu aniversário, no dia 2 de dezembro, quebrando um pouco a frugalidade das refeições até então, com um champanhe, aberto para fazer um brinde. Emocionado, D. Pedro desejou “prosperidade ao Brasil”. De noite, reuniam-se os mais próximos em uma roda de leitura, que o ex-imperador chamou de “conversações saudosas”. Aliás, saudade, a palavra intraduzível nas diversas línguas que D. Pedro dominava, desde o sânscrito até o tupi-guarani, foi a mais repetida naquela viagem, segundo os relatos da baronesa de Loreto.

No Brasil, além da recusa de dinheiro e do abandono dos imóveis e outros bens da família, D. Pedro deixou também as diversas joias que ganhou ao longo do reinado. Deixou a coroa de quase dois quilos de ouro, com mais de seiscentos diamantes e setenta e sete pérolas; deixou o cetro, o manto, os anéis, colares e até a pena de ouro, com diamantes e rubis, financiada pela população e dada de presente para a princesa Isabel por ocasião da assinatura da Lei Áurea. Todos esses bens foram incorporados ao patrimônio público pela República e  guardados no Tesouro Nacional até a inauguração do Museu Imperial de Petrópolis, durante o governo Vargas, estando expostas para o público desde então. Para D. Pedro, agora que ele não era mais imperador, aqueles bens não lhe pertenciam e, portanto, não fazia sentido levá-los consigo. Mesmo que tenha vivido os seus dois últimos anos de vida no exílio, viúvo – sua esposa, Teresa Cristina, faleceu em Portugal três semanas após o desembarque – sem renda e sem bens, D. Pedro jamais reivindicou favores ou tratamento especial do novo governo dos militares, que, ao contrário dos seus 49 anos de reinado, já haviam conseguido impor a censura aos jornais, desrespeitar a Constituição, fechar o Congresso e quase levar o país a uma guerra civil, com a Revolta da Armada. Deodoro, o proclamador, renunciou ao cargo poucos meses após assumir o governo constitucional e o vice, Floriano, governou ilegalmente por três anos, afundando o país em uma crise sem precedentes.

D. Pedro provou que uma autoridade pública pode manter a lisura e a dignidade, mesmo quando afastada violentamente de suas funções. Que não precisa carregar, na madrugada, joias e recursos para fora do país; que não precisa manchar sua biografia com suspeitas de malversações dessa natureza. Pode-se criticar o governo de D. Pedro por muitas razões. Mas, sem dúvida, ele teve um dos fins de governo mais dignos da História brasileira.

*Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor de Humanidades no Curso Positivo.

@profdanielmedeiros

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