Alysson Diógenes*
Entre o fim de abril e o início de maio de 2024, a maior tragédia climática da história se abateu sobre o Rio Grande do Sul. Várias cidades foram alagadas por uma chuva da ordem de 700 mm em um intervalo de apenas 15 dias. Um volume muito acima da média e, em especial, acima da marca registrada na histórica enchente de 1941.
Observando os registros do Instituto Nacional de Meteorologia, do Sistema de Alerta Rio, do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná e de vários outros órgãos que fiscalizam e registram precipitações ao longo da história, chuvas catastróficas são uma constante no Brasil e têm aumentado de frequência e volume nos últimos anos, como consequência das mudanças climáticas. Péssima notícia para o país como um todo.
Por outro lado, países como Holanda e Alemanha convivem desde sempre com cheias muito maiores do que as vistas no estado gaúcho, sem grandes consequências para sua população e economia. Como explicar essa diferença entre a situação catastrófica presenciada no Rio Grande do Sul e o sucesso de outros países na gestão de cheias?
Em primeiro lugar, vamos aos fator humano e como ele se comporta na Europa, contrastando com o cenário brasileiro. Boa parte da Holanda está cerca de um metro abaixo do nível do mar. Vários diques evitam que o mar avance e, na ocorrência de chuvas, bombas são acionadas para drenar a água que flui para esses locais. Por sua vez, na Alemanha, vários rios apresentam cheias anuais. O mais comentado é o rio Elba, cujo nível varia de mais de cinco metros todos os anos, alagando cidades como Dresden, que tem aproximadamente 550 mil habitantes.
A Alemanha adotou uma solução diferente da holandesa, com edificações preparadas para a cheia. O mercado de Dresden, por exemplo, chega ao inacreditável fato de, mesmo com o exterior submerso durante esse período, continuar funcionando normalmente em sua parte interna. Os clientes entram por um elevador e fazem suas compras normalmente, abaixo do nível do rio, enquanto, pelas janelas, vê-se a correnteza passando. No restante do ano, essas mesmas janelas mostram a rua.
No Brasil, vários estados convivem com enchentes aqui e ali. Curitiba, com o Rio Belém. São Paulo, com os rios Tietê e Pinheiros. O Rio de Janeiro, com as enchentes e alagamentos na região serrana. Esses são apenas alguns exemplos – e nem entrei no assunto dos bloqueios de rodovias. Na maioria dos casos, o professor e engenheiro que escreve este artigo diria que essas enchentes poderiam ser evitadas ou, ao menos, ter seu impacto reduzido.
A urbanização das cidades brasileiras foi feita, como regra, de forma desordenada e com pouco planejamento, levando à impermeabilização do solo e canalização (insuficiente, diga-se de passagem) de rios urbanos. Quando a chuva vem, o resultado só pode ser o alagamento das áreas que circundam esses rios. E quem sofre é a população.
Há solução? Há. Várias. Manutenção adequada das bombas que fazem a drenagem; redução do adensamento populacional; parques que possam ser usados como sumidouros quando o volume de chuva é grande demais; piscinões. Boa parte dessas soluções pode, inclusive, ser de grande benefício para a própria população, com o aproveitamento de espaços urbanos de forma mais inteligente. E mais: para viabilizar essas soluções não é necessário fazer investimentos faraônicos ou obras que durem para sempre. Curitiba é um exemplo disso. Na capital paranaense, os parques absorvem as águas de grandes chuvas. Quando não está chovendo, a população se apropria do espaço para lazer e atividades físicas.
Ora, se há solução de engenharia, a pergunta que fica é: há vontade política? Há vontade orçamentária? A cobrança precisa ser feita àqueles que detêm o poder de fazer as leis e aplicar os recursos de forma a prever que situações como essas podem ocorrer. A sugestão é que você escreva a seu representante eleito ou, ainda melhor, vá ao gabinete do seu vereador ou deputado estadual e pergunte: há vontade de resolver?
*Alysson Nunes Diógenes, engenheiro eletricista, doutor em Engenharia Mecânica, é professor do Mestrado e Doutorado em Gestão Ambiental da Universidade Positivo (UP).