Em 2 de julho último, foi publicada a Lei Complementar nº. 208/2024, que introduz três medidas importantes: (i) permite, mediante previsão legal, a venda de créditos tributários ou não tributários dos entes federados, inscritos ou não em dívida ativa, a pessoas jurídicas de direito privado e a fundos de investimento regulados pela CVM; (ii) prevê que o protesto extrajudicial da dívida ativa também interrompe o prazo para a cobrança do crédito tributário (antes era só o protesto judicial); (iii) amplia os poderes do Fisco para solicitar informações cadastrais e patrimoniais dos devedores de tributos a órgãos ou entidades públicos e privados.
As duas últimas medidas têm eficácia imediata e vêm na esteira de uma tendência, já antiga, de progressivamente incrementar os poderes de que o Fisco dispõe para cobrar os seus créditos e investigar aqueles que por ela são considerados devedores de tributos.
A primeira – a chamada “securitização” dos créditos públicos – é certamente a mais impactante, pois promete, por um lado, melhorar as condições de realização dos créditos da Fazenda e, por outro, criar um novo mercado, ligado à comercialização desses valores.
Diferentemente das outras duas, porém, trata-se de medida sem eficácia imediata, pois depende de regulação legal específica de cada ente federativo, que tratará, por exemplo, dos deságios admissíveis, das formas, meios e condições de pagamento aceitáveis, do modo de disputa pela aquisição dos créditos entre os interessados, entre outras.
De toda sorte, o espaço para regulamentação não é tão amplo, já que algumas regras já ficaram estabelecidas pela lei recém-aprovada, como as seguintes:
(i) a cessão será feita a título definitivo e a Fazenda não fica responsável pela satisfação do crédito;
(ii) (ii) a Fazenda seguirá sendo a única titular da prerrogativa de cobrança – o que gera a pergunta a respeito de se o adquirente poderá auxiliá-la na cobrança, figurando, na execução fiscal, como assistente da exequente;
(iii) a cessão de créditos não poderá abranger os percentuais pertencentes a outros entes federados (como a participação dos Municípios em 25% na receita do ICMS);
(iv) a cessão poderá ser feita mediante licitação ou por meio de procedimento conduzido por sociedade de propósito específico, criada para esse fim pelo cedente, nesse caso com dispensa de licitação – o que, a nosso ver, é de constitucionalidade duvidosa;
(v) as instituições financeiras poderão atuar como prestadoras de serviços, estruturando operações dessa natureza, mas não poderão adquirir ou negociar esses créditos, nem aceitar a sua entrega em garantia;
(vi) para coibir o uso político do instrumento, as cessões não poderão ser feitas nos últimos noventa dias do mandado do chefe do Executivo. Salvo se o pagamento integral pela cessão ocorrer após essa data,
Essas receitas serão tratadas como vendas de bens (receita de capital), pelo que, seguindo a previsão da Lei de Responsabilidade Fiscal, só poderão ser utilizadas para investimentos e para pagamento de despesas associadas aos regimes de previdência social, estas no mínimo de 50% (cinquenta por cento). A utilização para pagamento de outras despesas correntes, como, por exemplo, a folha de pagamento, está vedada.
Advogado especialista em Direito Tributário da Assis Gonçalves,
Nied e Follador – Advogados, Guilherme Follador