Hepatites B e C são consideradas um problema de saúde pública; mesmo com os avanços globais, ainda é um desafio testar, diagnosticar e tratar os pacientes adequadamente
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
Apesar dos esforços e do progresso no mundo todo em aumentar o diagnóstico e o tratamento das hepatites virais, o número de vidas perdidas devido às complicações dessas doenças está aumentando. A conclusão é do Relatório Global sobre Hepatites de 2024, da Organização Mundial da Saúde (OMS), que aponta que 3.500 pessoas morrem diariamente em decorrência de hepatite B ou C.
Segundo o documento, que analisa dados de 187 países, o número estimado de mortes por hepatites virais passou de 1,1 milhão em 2019 para 1,3 milhão em 2022. Dessas, 83% foram causadas pela hepatite B e 17% pela hepatite C. Uma das possíveis explicações para o aumento da mortalidade é que, apesar de melhores ferramentas para diagnóstico e tratamento, as taxas de testagem e a cobertura do tratamento estagnaram. Isso significa que muitas pessoas estão doentes, não sabem disso e, consequentemente, não se tratam.
“Infelizmente, aqui no Brasil também enfrentamos esse problema da baixa taxa de testagem. Existe uma responsabilidade dos profissionais médicos que, muitas vezes, deixam de pedir aos pacientes os testes das hepatites virais e acabam perdendo a oportunidade de fazer diagnóstico precoce, num momento em que a doença poderia ser curada sem muita repercussão na saúde”, comenta Rafael Oliveira Ximenes, gastroenterologista e hepatologista do Hospital Israelita Albert Einstein de Goiânia.
Outro fator que atrapalha, na avaliação de Ximenes, é a falta de divulgação sobre as hepatites para que as pessoas tenham mais consciência e, assim, cobrem que seu médico solicite os testes.
Infecção atinge mais pessoas na idade reprodutiva
As estimativas atualizadas da OMS indicam que, em 2022, 254 milhões de pessoas viviam com hepatite B e 50 milhões com hepatite C. E pelo menos metade dos casos de infecções crônicas estava entre indivíduos de 30 a 54 anos, no auge da idade produtiva.
No Brasil, os números são parecidos. Os dados mais recentes, do Boletim de Hepatites Virais de 2023, divulgado pelo Ministério da Saúde, revelam que 46,5% dos casos de hepatite B se concentram entre pessoas na faixa etária de 30 a 49 anos. No caso da hepatite C, o maior percentual dos casos acontece em aqueles acima de 60 anos (23,3% do total).
O documento brasileiro mostra uma discreta tendência de queda de casos dos dois tipos de hepatite, mas os números continuam altos: entre 2000 e 2022, foram diagnosticados 276.646 casos de hepatite B e 298.738 de hepatite C.
Em todas as regiões, apenas 13% das pessoas que vivem com infecção crônica por hepatite B foram diagnosticadas e aproximadamente 3% receberam terapia antiviral até o final de 2022. Em relação à hepatite C, 36% tinham diagnóstico e 20% receberam tratamento curativo.
Esses resultados ficam muito abaixo das metas globais da OMS de tratar 80% das pessoas que vivem com hepatite B e hepatite C até 2030. “As hepatites B e C certamente são um problema de saúde pública não somente no Brasil, mas em todo mundo. E, provavelmente, não vamos atingir as metas da OMS”, avalia Ximenes.
Segundo o especialista, a prevalência estimada da hepatite C é de 0,5% a 1% da população em grandes centros urbanos. No caso da hepatite B, esse índice varia de região para região, mas podem ir de 0,2% até 3% a 4% da população. “De toda forma, num país com mais de 200 milhões de habitantes, ter 0,5% das pessoas com a doença é um número considerável. E se pensarmos que muitas nem foram diagnosticadas e não estão em tratamento, é um dado preocupante”, observa o médico.
Como acontece a transmissão da hepatite?
Hepatite é o termo médico usado para se referir à inflamação do fígado. Quando falamos em hepatites virais, é porque essa inflamação foi causada por algum vírus. Existem cinco tipos principais de hepatites: A, B, C, D e E, mas os tipos B e C são mais preocupantes tanto pela maior incidência na população quanto pela possibilidade de se tornarem doenças crônicas e levar à cirrose e ao câncer de fígado.
Na fase aguda (quando a pessoa adquiriu o vírus recentemente), os sintomas costumam ser inespecíficos, como alteração do apetite, enjoo, indisposição e febre. Depois, surge a fase de icterícia (com branco do olho e pele amarelados). Essa última não acontece em todos os casos, mas é um sintoma bem específico da hepatite.
Nos casos mais avançados, os sinais são acúmulo de água na barriga (ascite), hemorragia digestiva, alterações neurológicas (a pessoa fica confusa e sonolenta), cirrose e câncer de fígado. “Passada a fase aguda, geralmente o paciente não tem sintomas, ele passa vários anos sem sentir nada e vai começar a ter sintomas quando o problema avançou”, relata Ximenes.
A principal via de transmissão da hepatite B é a sexual. A doença não tem cura e exige tratamento pela vida toda na maioria dos casos. “Pode acontecer de a doença curar, mas é bem incomum. A medicação é de uso diário e via oral”, explica Ximenes.
A doença é prevenível por vacina – o imunizante entrou no calendário vacinal brasileiro em 1998 e recomenda-se iniciar o esquema vacinal em todos os bebês ao nascer. Antes, as pessoas não eram vacinadas e, segundo Ximenes, isso explica por que a concentração dos casos ocorre na faixa etária acima dos 30 anos. Desde 2016, a vacina foi liberada também para adultos que não eram de grupos de risco, por isso, é bom checar a caderneta de vacinação.
“É importante também lembrar do pré-natal, porque existe transmissão de mãe para filho. Toda gestante deve ser investigada para hepatites virais. O uso de preservativos também é fundamental, uma vez que a principal via de transmissão é a sexual”, destaca o médico.
No caso da hepatite C, a principal via de transmissão é chamada parenteral, ou seja, pelo sangue ou material contaminado com sangue. Isso inclui uso de drogas injetáveis, transfusões, procedimentos médicos e odontológicos, bem como procedimentos estéticos (como tatuagens e piercing). A transmissão por via sexual é muito rara.
Ainda não existe vacina, apesar de várias tentativas. A principal estratégia para erradicar a doença é tentar identificar os casos de forma mais precoce possível, antes de a pessoa desenvolver cirrose ou câncer de fígado, que são as principais complicações.
“As chances de cura da hepatite C são muito altas. A medicação é usada durante três a seis meses. O grande desafio é fazermos o diagnóstico antes de a doença estar em fase avançada. Em geral, o paciente descobre que está infectado quando já está com cirrose, com uma situação clínica avançada, às vezes até com câncer de fígado. A gente trata o vírus, mas, infelizmente, essa consequência persiste”, diz o hepatologista.
Fonte: Agência Einstein