O declínio do sentimento de privacidade / Por Wanda Camargo

Tudo em nossa sociedade atual parece se encaminhar para a decadência do senso de privacidade, em parte atribuída ao desenvolvimento de artefatos tecnológicos com alta potência de vigilância, pois o sentimento de insegurança aumenta exponencialmente no nosso dia-a-dia, pedindo mais grades e mais filmagens de proteção; e também, em parte, pelas crescentes formas virtuais de interação, já que as redes sociais hoje constituem poderoso meio de exposição da vida privada.

E a exposição tem sido vigorosa, transformando os sentidos que a vida privada assumia anteriormente, para um novo significado, de deslizamento para a esfera pública de comportamentos que até pouco tempo atrás eram considerados exclusivos da esfera privada, alguns inclusive estritamente confidenciais.

No entanto, este momento histórico, profundamente marcado pela revolução tecnológica, apresenta uma dupla natureza, é emblema das maiores descobertas humanas, representa inovação e superação de limites, além de maior controle e racionalização das vidas pessoais, porém por outro lado, introduz uma série de turbulências e conflitos – alguns até judiciais – que perturbam a vida comunitária. 

Jovens principalmente às vezes se mostram claramente desorientados, intimidados, confusos diante dessas novidades, que ao lado do deslumbramento trazem desconforto e tensões em seus relacionamentos e formações ainda incipientes. A internet trouxe, apesar de seu imenso potencial de disseminar informação e ampliar comunicação, uma turbulência que ameaça a privacidade, desde as atitudes nela tomadas por adolescente – e algumas vezes até por adultos – de revelação de assuntos pessoais, mas também pela coleta de dados e informações pessoais através de algoritmos que detalham os costumes, amizades, compras, interesses dos usuários e até suas dívidas e utilização de cartão de crédito. E são muitos os casos de postagens indiscretas praticadas pelos próprios prejudicados com sua divulgação, e que acreditavam que lançando determinados conteúdos na Rede apenas atingiriam seus próximos física ou ideologicamente. 

O conhecimento sobre quem utiliza as redes sociais cresce com o uso, e é muitas vezes negociado com comerciantes que sobrecarregam de ofertas áreas que julgávamos pessoais. Talvez o pior uso seja na política partidária, pois, além da disseminação das notícias falsas, a tendência conservadora ou liberal das postagens de cada internauta termina sendo útil para a definição de estratégias de campanhas.

Chegou-se a um ponto que um cidadão convocado a prestar depoimento à uma CPMI sobre disparos de mensagens em massa por WhatsApp durante campanha eleitoral, praticadas por uma empresa que o empregara, mentiu descaradamente e ainda insultou uma das jornalistas mais respeitadas do país. Não se trata de simples defesa do indefensável, o que já seria bastante ruim; o indivíduo aparentemente deixou-se contaminar pela prática das “fake-news”, que se baseiam na crença de que “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”, e não teve o menor pudor de correr o risco de ser processado ou até preso por desrespeito ao Congresso e ofensa às pessoas citadas.   

Evidentemente é indispensável ampliar o tempo de olhar, pois todas as tensões que resultam de longos processos dificilmente são compreendidas em pequenos intervalos de tempo. No entanto, é preciso estar atento para estes fenômenos que denunciam a perda progressiva da privacidade e cuja causa é devida às inovações tecnológicas

O direito de privacidade, o direito ao esquecimento, são cada vez mais luxos e menos direitos em nossas cidades superlotadas e nosso “cyber espaço” que parece não se submeter a nenhuma regra de bom senso exarada pelas autoridades ou usuários.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.    wcmc@mps.com.br

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