Num conto infantil clássico, uma mãe muito pobre manda o filho vender a vaca, única posse da família, para comprar alimentos. O menino retorna com alguns feijões, dizendo que seriam mágicos, e que trocou o animal por eles. Como é uma história para crianças, os feijões eram mesmo mágicos e seu plantio dá origem a fatos que culminam com a destruição de um gigante maligno e a solução dos problemas materiais da família.
Recentemente, soubemos perplexos que um pretenso líder religioso teria posto à venda feijões que teriam o poder de curar a Covid-19, por mil reais cada um (!). No mundo real isso é, evidentemente, tentativa de estelionato e pior, praticada contra pessoas vulneráveis provavelmente com pouca escolaridade e apavoradas com a epidemia que nos assusta a todos.
Pastores, padres, rabinos, sheiks, xamãs, têm todos imensa responsabilidade pelos seus atos e discursos, afinal suas atividades tendem a gerar confiança a priori; a fé das pessoas deve ser respeitada e não vilipendiada em comércios esdrúxulos e enganosos.
Um problema que preocupa todo dirigente sério – seja religioso, empresarial, de escola, de serviços, da política – tem sido desde sempre a credibilidade, entendida como qualidade ou característica do que merece crédito, já que confiança está estritamente relacionada com credibilidade, e esta é adquirida por posturas adequadas, correção nas ações anteriores, boa média de acertos nas decisões tomadas.
Credibilidade é essencial pois muitas vezes líderes necessitam tomar atitudes inesperadas, até arriscadas ou antipáticas em meio às crises, ou determinar comportamentos difíceis de serem seguidos, como por exemplo normalizar comportamentos ou isolamento social, mudar toda a forma de trabalho, do presencial para o remoto, o que já se observa em organizações como escolas e empresas, ou então de uma rotina sob controle para uma situação de emergência como em hospitais.
Pela inspiração destes chefes, por fé em suas palavras, será necessário fazer até mesmo mudança na forma de lazer ou de contato com familiares, que não são exatamente simples, inseguranças e temores tendem a se exacerbar, pequenas implicâncias tendem a criar grandes conflitos, a tolerância é cada vez mais reduzida. Aqueles que tem crianças em casa terão ainda mais complicações a enfrentar, dado que elas pouco entendem daquilo que ocorre e tem necessidade de brincar, pular, gritar, gastar energia. Para pais que precisam trabalhar em casa ou fora dela é muito desafiador.
Tudo isso implica em uma alteração radical na forma como se vivia até pouco tempo atrás, um processo intenso de adaptações e renovações tecnológicas nem sempre fácil dependendo da faixa etária. Que o digam professores de todas as idades que precisaram migrar a modalidade de suas aulas de um dia para outro, coisa relativamente tranquila para os jovens, porem crucial para aqueles de mais idade; e empresas de muitas áreas precisam reinventar-se.
Assim, confiança no líder ou orientador espiritual é indispensável para que ele ilumine, inspire, conduza ao melhor caminho, e embora seja, como declarou Tolstói em Guerra e Paz “um escravo da história”, possa moldá-la e criar novas páginas de vitória para seu povo.
Sabemos que o momento é muito grave, que existe a possibilidade real da epidemia sair de controle com aumento exponencial de contágios e mortes, e a única arma eficaz disponível até agora, antes do desenvolvimento e aplicação universal de vacinas, é o bom governo, sem sonhos absurdos com soluções rápidas e indolores, pois mesmo contrariando nossa racionalidade queremos acreditar que a cura virá logo e a vida voltará a seu curso normal.
Que isso não nos leve a crenças com pouco ou nenhum fundamento científico, tornando-nos vítimas de qualquer demagogo que negue o óbvio doloroso e prometa soluções mágicas, como feijões milagrosos.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil. wcmc@mps.com.br