O pior cego é aquele que não quer enxergar

Dr. João Fernando Monteiro Ferreira

Presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo

Já aviso que esta análise é extremamente perecível, ou seja, as informações nas quais ela foi baseada podem se transformar e, portanto, seu conteúdo rapidamente caducar. Em relação ao COVID-19, podemos aceitar os seguintes fatos como indiscutíveis e aceitos universalmente:

1 – Estamos em pandemia: fato consumado, visto o coronavírus ter acometido milhões de pessoas em todos os continentes. O próprio Ministério da Saúde brasileiro reconhece este fato, tanto que já no mês de fevereiro cobrava que a Organização Mundial da Saúde declarasse o coronavírus uma pandemia mundial.

2 – Mortalidade: a despeito da real mortalidade ser desconhecida, este vírus mata e a maioria das mortes são preveníveis, seja pela prevenção a exposição ou com atendimento especializado para os doentes moderados e graves. Portanto, não está exclusivamente a cargo do destino ou da natureza morrer ou não morrer de COVID-19, e concretamente podemos poupar e salvar vidas.

3 – Tratamento medicamentoso: neste momento não existe medicação reconhecidamente eficaz e segura para este vírus. Em relação à hidroxicloroquina, o atual placar das evidências científicas dá uma goleada quanto ao não benefício do medicamento. Entretanto, ainda temos que aguardar estudos científicos com alto nível de evidência científica sobre a hidroxicloroquina e outros medicamentos.

4 – Prevenção e vacina: vacina não pode ser vista como uma solução em curto prazo, e provavelmente, também não em médio prazo. É otimista e razoável esta estratégia poder ser aplicada em massa a partir de 2021.

5 – Prevenção: o que dá para fazer hoje? Primeiro, vamos diferenciar os termos “isolamento” e “distanciamento” social. Segundo o dicionário Houaiss, “isolamento” é o estado da pessoa que vive isolada, que se pôs ou foi posta à parte; “distanciamento” é a ausência de envolvimento diante do que se passa em torno. O isolamento nos remete ao “lockdown”, o bloqueio total ou confinamento. Trata-se de uma medida extrema e geralmente reservada para momentos de tragédia sanitária. Já o distanciamento evitaria a propagação da doença e impediria que chegasse à tragédia sanitária.

O que deve ser feito hoje? O Brasil hoje é considerado um dos epicentros da doença e, portanto, devemos salvar vidas com medidas agressivas de isolamento ou distanciamento social e garantir recursos físicos e humanos para o atendimento hospitalar dos doentes graves.

E o que deve ser feito amanhã? O governo federal defende o “distanciamento vertical”, ou seja, restrita aos grupos de risco para má evolução da doença. Mas qual será a melhor estratégia: isolar idosos e pacientes com comorbidades, ou isolar os já contaminados, incluindo os assintomáticos? A meu ver, as estratégias atualmente efetivas para prevenir contágio, e assim salvar vidas e permitir o retorno a uma mínima “normalidade” social e econômica, dependem tanto da população como do governo. Cabe à população aderir em massa às medidas de prevenção do contágio com o uso de máscara facial, lavagem as mãos e evitando aglomerações. E cabe ao Governo a testagem maciça da população, identificação e isolamento dos casos positivos. Testar, testar, testar e isolar os positivos parece ser, neste momento, a única forma de se retornar com segurança às atividades sociais e econômicas.

Não tenho dúvidas que a sociedade ou governo sozinhos nunca irão vencer esta crise, e que a única chance de sucesso é a união de esforços e ações da sociedade e governo. Contra a escuridão só a união e a ciência podem trazer a luz. Assim, no Brasil o diálogo deve prevalecer sobre a discórdia e a ciência deve prevalecer sobre a política.

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