Francis Ricken*
Com a declaraรงรฃo de pandemia pela OMS, estamos vivendo medidas drรกsticas de isolamento social e restriรงรฃo de circulaรงรฃo, mas outro problema se torna importante: as eleiรงรตes municipais em outubro deste ano. Em tempos de normalidade, as articulaรงรตes polรญticas e organizaรงรฃo da disputa eleitoral estariam a pleno vapor, mas estamos em um momento de exceรงรฃo. Diante de tal quadro, estรก em tramitaรงรฃo na Cรขmara dos Deputados a PEC 56/19, com o objetivo de prorrogar os mandatos dos atuais prefeitos e vereadores, mantendo-os no exercรญcio do cargo atรฉ 2023, sem que a populaรงรฃo seja consultada sobre sua permanรชncia.
Resolver problemas complexos com soluรงรตes mรกgicas nรฃo รฉ uma boa saรญda, ainda mais quando falamos de algo tรฃo caro para os sistemas democrรกticos, como a escolha de representantes. Tal alteraรงรฃo, aparentemente simples, colocarรก em xeque valores fundamentais da nossa repรบblica, como a periodicidade dos mandatos eleitorais e o voto direto. Ampliar mandatos parece uma decisรฃo sensata, mas pode ser algo โvicianteโ, que pode abrir caminho para a ampliaรงรฃo de novos mandatos e ser fatal para nosso sistema democrรกtico. Consultar o povo de maneira periรณdica sobre a permanรชncia ou nรฃo de seus polรญticos รฉ um ponto elementar das democracia, e deixar isso de lado nรฃo รฉ algo negociรกvel. A extensรฃo dos mandatos pode ferir a periodicidade das eleiรงรตes, tendo em vista que essa ampliaรงรฃo nรฃo foi aventada antes do perรญodo eleitoral de 2016. ร como se estivรฉssemos disputando um jogo e no meio do caminho as regras fossem alteradas, com toda certeza algum participante se sentirรก injustiรงado, e isso รฉ muito grave para um modelo democrรกtico.
Muitos especialistas consideram que a ampliaรงรฃo dos mandatos รฉ uma saรญda para a unificaรงรฃo das eleiรงรตes em todas as esferas, onde o eleitor votaria para todos os cargos, desde presidente atรฉ vereador em um รบnico momento. Tal lรณgica de unificaรงรฃo nรฃo me parece algo apropriado pela complexidade de nosso modelo polรญtico, e me parece o fim das discussรตes em รขmbito municipal e atรฉ mesmo estadual, que serรฃo eclipsadas pelas eleiรงรตes em รขmbito federal. Modelos democrรกticos que adotam a unificaรงรฃo das eleiรงรตes para todos os cargos, nรฃo tem a lรณgica de descentralizaรงรฃo do poder polรญtico que temos, e sรฃo modelos no qual a administraรงรฃo municipal รฉ uma mera extensรฃo do governo central.
Outro ponto a ser pensado, รฉ que a periodicidade dos processos eleitorais garante escolhas importantes, como a eleiรงรฃo de novos mandatรกrios e, principalmente, a reprovaรงรฃo de polรญticos que nรฃo atenderam nossos interesses. O movimento de reconduรงรฃo de mandatos, sem consulta popular, retiraria a grande vantagem de nosso sistema eleitoral, que รฉ o poder de escolha. Imagine que vocรช estรก diante de uma catรกstrofe polรญtica na sua cidade, vocรช permitirรก que a pandemia reconduza uma administraรงรฃo incompetente por um perรญodo de mais dois anos, sem ao menos ser consultado?
Sou contrรกrio ร extensรฃo de mandatos sem consulta popular, mas acredito que o processo eleitoral acabarรก sendo adaptado para as eleiรงรตes 2020, com alteraรงรตes constitucionais que nรฃo mudem a periodicidade ou o tempo de mandatos, evitando assim que tenhamos uma futura pandemia polรญtica.
*Francis Ricken, advogado, mestre em Ciรชncia Polรญtica, professor da Escola de Direito e Ciรชncias Sociais da Universidade Positivo.