Desenvolvimento neurológico das crianças pede atenção redobrada dos pais

Autismo e TDAH estão entre os principais atendimentos feitos pelo Serviço de Neuropediatria do Hospital INC; com retorno das aulas presenciais, aumentaram os relatos de dificuldades escolares, distúrbios do sono e ansiedade nas crianças.

O desenvolvimento neurológico infantil pede sempre uma atenção redobrada dos pais. Afinal, é nos primeiros anos de vida que a formação de sinapses no cérebro ocorre com uma frequência muito maior, chegando quase ao dobro de uma pessoa adulta, justamente para possibilitar que a criança possa reconhecer o mundo e adquirir aprendizados. Por isso mesmo, o impacto do isolamento social forçado pela pandemia da Covid-19 sobre o desenvolvimento dos filhos deixou os pais com ainda mais dúvidas e angústias, principalmente, com aqueles mais pequenos.

“Ainda é precoce afirmar que houve uma perda no desenvolvimento das crianças, é preciso aguardar estudos mais conclusivos. O que sabemos é que elas passaram a ficar mais tempo expostas a tela do celular, computador e TV, e que isso leva a desenvolver muito mais a parte audiovisual do cérebro, em detrimento da socialização”, explica a Dra Virgínia Baggio Fabricio, neuropediatra do Hospital INC (Instituto de Neurologia de Curitiba), que possui uma filial especializada em atendimento neurológico infantil, o INC Kids, no bairro de Santa Felicidade.

Referência em Neurologia e Neurocirurgia na América Latina, o INC conta com um Serviço de Neurologia Infantil capacitado para atender as diversas demandas especializadas nessa área.  Inclusive, o hospital aproveitou o Mês da Criança para inaugurar a nova ambientação lúdica e sensorial da filial, que foi toda remodelada para proporcionar bem-estar aos pacientes infantis durante o atendimento, tanto na recepção como nos consultórios.

Regina Montibeller, diretora Administrativa do INC e Claudia Meneses, diretora de Marketing do INC, em envento na filial INC Kids

Com o retorno gradativo das aulas presenciais, por exemplo, houve um aumento na procura por especialistas para diagnóstico de crianças que apresentam dificuldades escolares, distúrbios do sono e ansiedade. “Muitas crianças passaram um bom tempo só com as aulas on-line ou mesmo com o ensino híbrido, e agora estão tendo dificuldade no aprendizado e falta de concentração. Elas também perderam a rotina que tinham de atividades físicas e encontros sociais, as visitas à casa dos avós e de outros familiares, contribuindo para um quadro de ansiedade”, citando que há também uma grande demanda de pais que procuram o neuropediatra para iniciar ou fechar o diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).

Transtorno do Espectro Autista

Um dos temas que têm chamado bastante a atenção dos pais é o Transtorno do Espectro Autista (TEA), um dos principais transtornos do neurodesenvolvimento, que atinge cerca de 1% da população. O autismo é causado por uma combinação de fatores – que incluem fatores de risco genéticos e não genéticos  – que parecem interagir entre si. Segundo dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, a estimativa é que uma a cada 56 crianças, com oito anos de idade, seja portadora do TEA. No Paraná, não há dados oficiais sobre a incidência do autismo na população, mas estimativas apontam para 100 mil casos no estado.

De acordo com a Dra. Mayara Machado, neuropediatra do Hospital INC, aumentou o diagnóstico de autismo nos consultórios. Uma das razões que têm contribuído para isso é o maior conhecimento no meio médico e científico sobre o transtorno, aumentando consequentemente o número de diagnósticos. Houve também uma mudança recente nos critérios diagnósticos, tornando-os mais amplos, abrangendo um número maior de crianças, além de uma reclassificação por parte de médicos de uma porcentagem de pacientes que antes era classificada como Deficiência Intelectual hoje tem como diagnóstico principal o TEA. “Ainda existe uma porcentagem desse aumento que não é explicada por esses fatores, e não se sabe ao certo o que tem causado”.

As crianças com TEA apresentam dois grupos de sintomas, que incluem déficits na comunicação e interação social e alterações comportamentais, com padrões de interesses e atividades bem característicos. No primeiro grupo, observa-se um atraso na aquisição da linguagem verbal e até sua ausência, sem tentativas de compensar de forma não verbal. Muitas vezes, o contato visual é irregular e elas não respondem a chamados. Isso, claro, causa um prejuízo na interação com as pessoas e o ambiente. Já no grupo de alterações comportamentais, pode haver alterações sensoriais, como seletividade alimentar, hipo ou hiper-reatividade a estímulos sonoros e táteis.

“Essas crianças costumam apresentar também um repertório de jogo lúdico e imaginativo reduzido, então as brincadeiras são mais repetitivas, como o enfileirar de carrinhos ou interesses muito específicos em determinados temas, como dinossauros ou aviões. Muitas vezes, existem rotinas ou padrões de comportamentos bem rígidos, até ritualizados, como assistir inúmeras vezes o mesmo desenho”, explica a médica, acrescentando que o quadro clínico varia bastante, dependendo da idade do diagnóstico e nível de gravidade do paciente.

Principais dúvidas sobre o Transtorno do Espectro  Autista
Fonte: Dra Mayara Machado, neuropediatra do Hospital INC.

Qual a idade que as crianças costumam manifestar os sinais do autismo?

No primeiro ano de vida em alguns casos, como um contato visual pobre e pouca interação com os pais e familiares, mas o quadro clínico fica mais claro conforme aumenta a demanda social, isto é, quando a criança começa a frequentar a escolinha, vai a festinhas e parquinhos. Nessa etapa, é comum ver brincadeiras muito repetitivas, como organizar objetos ou andar o dia todo somente com um brinquedo. Interesses muito específicos como no alfabeto e até em inglês, rotinas que quando são quebradas provocam uma desorganização muito intensa na criança. Um incômodo exagerado com o toque ou barulhos comuns, como o do aspirador de pó. É importante ressaltar que em até 30% dos casos ocorre o que chamamos de “regressão autística”, que é a perda de algumas habilidades, sejam sociais ou de fala, que a criança já havia adquirido. Isso geralmente ocorre por volta de 2 anos de idade.

Quando que os pais devem ficar alertas?

Sempre que houver um atraso na aquisição de habilidades sociais e linguísticas, como não olhar quando chamado, dificuldades em olhar nos olhos, sorrir em resposta e um atraso da fala. Além disso, brincadeiras e comportamentos muito repetitivos ou que não façam uso de imaginação também devem ser um alerta.

Como é feito o diagnóstico? Existem exames específicos?
Não existe um exame laboratorial ou de neuroimagem que confirme o diagnóstico, pelo contrário, esses exames, em geral, estão normais. O diagnóstico é feito com base na avaliação clínica, no comportamento dessa criança no ambiente familiar e escolar. Deve ser feito de forma multiprofissional, com o apoio de psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, que também realizam avaliações clínicas que auxiliam na definição do diagnóstico.

Há um tratamento para o autismo?
Não há um tratamento curativo para o TEA, mas podem ocorrer ganhos no desenvolvimento muito significativos com as terapias. Hoje temos algumas metodologias que são voltadas ao TEA, como o método ABA e o Denver. É claro que o tratamento é individualizado, mas, de uma forma geral, há a necessidade de acompanhamento com fonoaudiologia, psicologia, terapia ocupacional, entre outras, para otimizar esse neurodesenvolvimento.

Quais as principais dúvidas que os pais apresentam?
É comum questionarem sobre a causa, mas com muita frequência não conseguimos definir uma etiologia única. Além disso, também questionam sobre a gravidade do quadro, que pode ser leve, moderado ou grave, dependendo do grau de dependência desses pacientes nas atividades do dia a dia.

O autismo atinge mais meninos ou meninas?
Estatisticamente, é mais comum em meninos, numa proporção de 4:1 aproximadamente. Existem diversas teorias que tentam explicar essa situação, muitas delas se baseiam nas alterações de hormônios sexuais, mas não há nada definitivo. Um questionamento que se tem feito cada vez mais é se, na realidade, o quadro clínico em meninas seria um pouquinho diferente, com maiores habilidades linguísticas e sociais, o que é chamado de “teoria da camuflagem”.

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