por Ana Carolina Lucchese, diretora da Tuinda Care
A telemedicina avançou no Brasil, em dois anos, o que levaria mais de uma década em tempos de normalidade. Até médicos e pacientes mais resistentes já se renderam aos benefícios do atendimento à distância. As startups de saúde se apressaram em oferecer ferramentas que atendessem as necessidades dos profissionais de saúde e dos usuários, durante o distanciamento social imposto desde março de 2020. Hoje, praticamente todos os planos de saúde oferecem a opção de consultas remotas, realidade também dos médicos particulares. Esse foi o legado positivo da pandemia, entre tantos fatos ruins que ocorreram.
O tempo mostrou que, ao contrário do que se temia, a tecnologia não distancia médico e paciente, pelo contrário, aproxima. Profissionais que trabalham com plataformas de monitoramento à distância e devices que permitem a realização de exames físicos de forma remota nos contam que o cuidado é levado para dentro das casas dos pacientes, que, por sua vez, se sentem mais seguros e acolhidos, muitas vezes estreitando laços.
Imagine um doente crônico ou um paciente que acabou de voltar para casa após uma cirurgia de alta complexidade. Ter uma conexão direta com seu médico de confiança pode fazer toda a diferença na sua recuperação. Relatos de médicos que já fazem o monitoramento remoto de seus pacientes evidenciam que o acompanhamento frequente e cadenciado trazem inúmeros benefícios, entre eles a avaliação ágil em caso de uma complicação, levando a um diagnóstico e intervenção precoces e, muitas vezes, evitando o agravamento do quadro e uma possível reinternação.
Por outro lado, quem possui essas ferramentas de exame remoto em casa passa a realizar o próprio exame ou do filho/a, com o suporte médico, assumindo assim uma posição de protagonista na atenção com a sua saúde. O envolvimento da família e do paciente com o próprio corpo e doença aumenta muito, o que é motivo de comemoração por parte do corpo clínico. Pacientes mais engajados tendem a seguir mais as orientações e recomendações de seu médico.
Fazendo um breve retrospecto do que ocorreu nesses últimos meses, a contar da data de sanção da Lei 13.989/2020, mais de 7,5 milhões de atendimentos remotos foram realizados por mais de 52,2 mil médicos. Dados da Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital (Saúde Digital Brasil) mostram ainda que o índice de resolutividade dos atendimentos nas consultas de pronto atendimento foi de 91%. Ou seja, a telemedicina já mudou a dinâmica do sistema de saúde no Brasil e todos saíram ganhando. Já temos equipamentos de ponta que apoiam as teleconsultas, permitindo o monitoramento pós-alta hospitalar, o acompanhamento de pacientes crônicos, a triagem de atendimento, suporte ao home care e sênior care, tudo com diagnósticos rápidos e precisos, além de interconsultas entre médicos especialistas. Tudo isso pode beneficiar e democratizar o acesso a excelência médica nos cantos mais longínquos do Brasil.
Mas não podemos esquecer que a prática da telemedicina está embasada em uma legislação (13.989/2020, resultante do Projeto de Lei 696/20) que ficará em vigor somente até o fim da pandemia. Ou seja, o Brasil precisa urgente de uma regulamentação definitiva para a telessaúde, sob pena de regredir tudo que evoluiu nos últimos meses.
Exemplos de outros países devem ser levados em consideração pelo Congresso Nacional e Conselho Federal de Medicina. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital (Saúde Digital Brasil), na quase totalidade dos países analisados, incluindo referências como a Inglaterra – que possui um sistema público de reconhecimento mundial -, existe a liberação total dos atendimentos a distância. O mesmo acontece em outros países da Europa e das Américas, incluindo os Estados Unidos, Canadá, México, Colômbia, Argentina, entre tantos outros. O estudo revela ainda que Alemanha, Espanha, Canadá, Chile, Colômbia, EUA, França, Nova Zelândia e o Reino Unido apoiam a primeira consulta não presencial, ponto central da discussão aqui no Brasil, já que o CFM defende a teleconsulta apenas para acompanhamento de doentes crônicos e retornos.
A telemedicina ainda pode oferecer muito mais, à medida em que as ferramentas e a tecnologia avançam. O que vemos hoje é o início da transformação digital do setor de saúde. Estamos apenas começando a desenvolver ferramentas preditivas de diagnóstico, evoluindo no conceito de casas conectadas e hospitais digitais.
Vivemos uma verdadeira revolução nas comunicações e somente por ela pudemos atravessar esse cenário de guerra imposto pela Covid-19. A telemedicina é uma aliada da saúde e com ela avançaremos rumo a uma maior humanização, afinal atendimentos que podem ser solucionados dentro de casa, sem idas desnecessárias ao hospital, tendem a acolher mais, estreitar a relação médico/paciente e estabelecer ainda mais confiança nesse binômio.