Sérgio Rocha é presidente da Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde
A vida de quem trabalha com produtos para a saúde não foi nada fácil durante a pandemia, como grande parte da população imagina. Apenas para fazer um comparativo, o setor de turismo, que toda a sociedade enxerga como tendo sido brutalmente afetado pelas restrições impostas pela Covid, e foi, caiu 36,7% em suas atividades em 2020, em relação ao ano anterior. O setor de saúde enfrentou baixa de 50,8% no faturamento das empresas, em paralelo semelhante. Um cenário ainda mais dramático.
Os procedimentos cirúrgicos programados foram cancelados ou adiados e, em 2020, tiveram uma redução média de 59,8%, nos sistemas público e privado. Em algumas regiões do país, essa baixa nas operações chegou a 90%, com 1,3 milhão de cirurgias que foram suspensas somente no SUS. Mas as doenças não deixaram de existir. Portanto, as pessoas tiveram um agravamento de seus quadros ou muitos, infelizmente, acabaram morrendo. Vários dados de aumentos de óbitos por doenças cardiovasculares e cânceres, por exemplo, têm sido amplamente divulgados.
Esse cenário ampliou distorções históricas enfrentadas há muitos anos por empresas de saúde, que fornecem produtos, como EPIs, cateteres, marcapassos, próteses, entre os milhares de itens e atendem hospitais públicos e privados por todo o país. Em pesquisa realizada pela ABRAIDI, pelo 4º ano consecutivo, os problemas representam 64% do custo de operação das companhias e impactaram mais uma vez no fluxo de caixa. Em 2019, esses problemas representavam 50%, uma alta de 14 pontos percentuais.
Hospitais e operadoras impuseram postergação de pagamentos, ou seja, exigiram a retenção de faturamento de cirurgias realizadas e o volume de recursos contingenciados chegou a R$ 793,4 milhões. Em média levaram 118 dias para quitar débitos, mas há relatos de dívidas ainda em aberto do ano passado. O segundo item das distorções praticadas foi a inadimplência, que chegou a R$ 714 milhões, quando o fornecedor não é remunerado após 180 dias, a partir da realização do procedimento cirúrgico. As glosas injustificadas, quando uma cirurgia é previamente autorizada, ficaram, em terceiro lugar, com um volume financeiro paralisado de R$ 118,6 milhões.
As três distorções somadas representam um valor de R$ 1,626 bilhão não pago por hospitais públicos e privados, por convênios, planos de saúde e seguradoras. Um valor que afeta principalmente pequenas e médias empresas que não conseguem se manter com valores tão elevados sem as devidas quitações.
O valor retido ou bloqueado bateu recorde, desde que a pesquisa foi iniciada em 2017. Convênios, planos de saúde e seguradoras contingenciaram R$ 392 milhões de empresas fornecedoras de produtos para a saúde; já os hospitais privados bloquearam pagamentos de R$ 290,4 milhões, enquanto as instituições públicas foram responsáveis por R$ 111 milhões.
Em alguns casos, a conta hospitalar inteira tem sido glosada, sem argumento plausível. Isso pode decorrer por questões burocráticas, de terceiros ou não justificáveis. 89% dos associados relataram sofrer com valores glosados, sendo 64% atribuídas a convênios, operadoras e planos de saúde, enquanto 36% relativos aos hospitais. O número de associados que afirmaram sofrer com glosas aumentou três pontos percentuais (86%), em relação à pesquisa anterior. Já em relação à inadimplência, 94% dos associados registraram perdas com a falta de pagamento superior a 180 dias ou calote por parte de hospitais, operadoras ou órgãos públicos.
Esse cenário sempre foi bastante desolador para que o fornecedor de produtos para a saúde consiga manter a empresa em atividade e, de certa forma, encarece todo o custo operacional e em cadeia. Mas a pandemia de Covid-19 ainda trouxe elementos adicionais, como problemas logísticos que aumentaram o frete, num país continental, como o Brasil, além da elevação excessiva do dólar – produtos e insumos são importados. Precisamos buscar formas urgentes para tornar o setor sustentável, sob risco de colapso.