Renan da Cruz Padilha Soares (*)
Este ano, mais especificamente em 18 de abril, completaram-se 140 anos do nascimento de Monteiro Lobato, um dos escritores brasileiros de maior reconhecimento. Mas é impossível falarmos do autor sem mencionarmos questões relacionadas ao racismo em suas obras. Então, fica a questão: o que fazer diante de obras que se tornam ultrapassadas para o pensamento político e social contemporâneo?
Para diversas gerações, o Sítio do Picapau Amarelo foi uma referência na infância, visto que os escritos de Monteiro Lobato foram adaptados para diversas mídias e linguagens. Um dos grandes méritos dessas obras foi trazer continuamente referências da cultura brasileira quando somos bombardeados pelas referências culturais estadunidenses. Então, graças ao Sítio, no meio de waffles e contos de Natal, ainda guardamos na nossa memória afetiva as lendas e o cotidiano fantástico em um cenário brasileiro.
Mas é fato notório que Monteiro Lobato expôs em suas obras um pensamento racista. Trechos do próprio Sítio do Picapau Amarelo trazem descrições preconceituosas de negros e negras. Soma-se a isso as cartas recém-descobertas, em que o autor faz elogios à Ku Klux Klan, a seita supremacista branca estadunidense. Então, Monteiro Lobato era racista e sua obra refletiu, em diversos graus, esse pensamento. E o que fazer?
Monteiro Lobato é um homem de seu tempo, lugar e grupo social. Considerar esse fator não significa justificar ou fechar os olhos para os problemas de suas obras, mas sim compreendê-las considerando o contexto em que foram produzidas. O autor escreve na primeira metade do século XX, e o pensamento social de determinado grupo, do qual ele fazia parte, está presente em seus textos, ainda que ficcionais.
Porém, mesmo que obra e autor não possam ser completamente separados, a obra ganha vida no contato com o interlocutor. As obras de Monteiro Lobato permanecem vivas e interagindo com a sociedade ao longo dos anos, até hoje. Ou seja, não só são interpretadas por diferentes pessoas em diferentes lugares, como essas pessoas possuem experiências de vida completamente diferentes, relacionadas com seu próprio tempo e espaço. Sendo assim, tais obras sofrem modificações e julgamentos próprios da contemporaneidade que podem nunca ter passado pela mente das pessoas contemporâneas ao autor.
Esse é um debate muito importante que, quando ganha as mídias sociais, passam a ser simplificados. Alguns dizem que é besteira boicotar Monteiro Lobato e justificam pela época em que o autor escreveu, ou pior, apontando que textos de ficção não refletem a realidade. Ora, um autor não está separado da sociedade em que está inserido e sua obra não vai para o espaço sideral. Autor e obra só existem imersos em seus contextos sociais e dialogam de forma orgânica com eles. Porém, tampouco podemos considerar a solução dada pelo cancelamento, que gera o simples banimento da obra e uma tentativa de esquecimento de sua existência. Não estamos falando de um autor vivo que deva sofrer consequências jurídicas ou políticas de seus atos.
Qualquer tipo de apagamento histórico não é só errado, como está fadado ao fracasso. Toda vez que se tentou apagar determinada memória da História, tal memória resistiu e ganhou contornos próprios. Banir os escritos de Monteiro Lobato seria tolo e ineficaz. É preciso encarar tais obras no contexto em que elas estão inseridas hoje. É preciso analisá-las como importantes fontes de conhecimento sobre determinada época e compreender suas interpretações ao longo do tempo. Mais do que nunca é preciso ler Monteiro Lobato e, mais do que nunca é preciso que essa leitura seja crítica e reflexiva, compreendendo o lugar do autor e da obra na História.
*Renan da Cruz Padilha Soares é graduado em História pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Práticas na Educação Básica pelo Colégio Pedro II. É docente da área de Linguagens e Sociedade, curso de História, no Centro Universitário Internacional Uninter.