O que precisamos aprender com as companhias aéreas

Ronaldo Sampaio é vice-presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde – ABRAIDI

Quem é distribuidor de produtos para a saúde, na área de ortopedia, há muito tempo como eu, sabe que o mercado mudou muito nos últimos 25 anos. Todos se ajustaram nessas últimas décadas.

No começo dos anos 2000, quando iniciei neste segmento, os hospitais possuíam os instrumentais e equipamentos necessários para a realização das cirurgias ortopédicas. Era início da vídeo-artroscopia, e quase todos os médicos tinham suas torres de vídeo e suas pinças para a realização das operações. Para as artroplastias e as cirurgias de trauma, os hospitais tinham seus motores de serra e perfuradores, quase sempre daqueles semelhantes aos para marcenaria. Os da marca Makita eram os mais utilizados. Outros tempos!

Ao longo dos anos, como forma de diferenciação, os distribuidores de produtos para a saúde, foram adquirindo estes equipamentos e instrumentais e disponibilizando nas cirurgias sem qualquer custo. Motores à bateria, torres de vídeo sofisticadas, monitores cada vez maiores e complexos, e com qualidade de imagem melhor. Garrotes pneumáticos automáticos de custo elevadíssimo, óticas e todo tipo de instrumental específico e básico. A cereja do bolo foram os instrumentadores, profissionais, antes de responsabilidade do médico, que também tiveram os seus custos absorvidos pelos distribuidores. Muito investimento em ativo imobilizado sem qualquer receita em contrapartida. Hoje estamos pagando o preço de toda essa mudança, que em muitos casos têm até inviabilizado negócios e fechado diversas empresas, conforme constatado em pesquisa da ABRAIDI. E o valor não é nada baixo: R$ 13,1 bilhões, em torno de 1,61 vez o faturamento anual das empresas.

Analisando o segmento das companhias aéreas, percebemos uma similaridade com o mercado de ortopedia. Quem é mais velho, sabe dos famosos voos da Pan Am, com seu serviço diferenciado. As viagens da Varig para Europa com sua gastronomia impecável, bebidas alcoólicas de qualidade, cadeiras espaçosas em todo o avião – tudo para agradar o cliente e se diferenciar do seu concorrente. Para eles, a conta também chegou, só que diferente de nós, eles iniciaram um processo de cobrança de todos os serviços que, até então, eram dados sem qualquer custo. Começaram a cobrar pelas refeições e bebidas, pelos lugares marcados, pelas malas despachadas e também diminuíram o espaço das cadeiras para caber mais passageiros no avião. Mudanças necessárias para a sobrevivência do setor depois que várias empresas do ramo quebraram. Só aqui no Brasil posso citar a própria Varig, Vasp e Transbrasil. Não viveram para ver os novos tempos.

É evidente que não podemos fazer como as companhias aéreas já que o nosso negócio é ainda mais delicado porque no final estamos tratando de vidas humanas. Para nós, o paciente sempre é, e deverá ser, a prioridade, em todos os aspectos. Mas a sustentabilidade de nossos negócios está no limite com as margens de lucro cada vez mais achatadas pelo dólar nas alturas, custos absurdos de logística, num país continental, com a inadimplência, glosas injustificadas e postergação de pagamentos que, em nosso setor, denominamos como retenções de faturamento, quando um procedimento é realizado, mas os hospitais ou planos de saúde não permitem que cobremos por um período, em média, de 124 dias, conforme a mesma pesquisa da ABRAIDI.

Não podemos mais suportar o tamanho desta conta e inviabilizar nossas empresas. A saída para os distribuidores é oferecer aquilo que está na essência de nossos negócios, que são os produtos para a saúde. O que for a parte disso é um serviço adicional e precisa ser cobrado, não é possível mais ofertar como um benefício, nem que hospitais e planos de saúde sigam exigindo como tal.

Precisamos discutir o assunto com os outros players, com responsabilidade, mas com firmeza, para não acabarmos como a Pan Am, apenas uma lembrança do passado.

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