por Eduardo Winston Silva, presidente do Conselho de Administração do Instituto Ética Saúde
“Garantir a sustentabilidade do sistema de saúde e a segurança do paciente, por meio de uma conduta ética entre os atores em um ambiente de concorrência justa e transparente”. Com esse objetivo, o Instituto Ética Saúde surgiu, em 2015. De lá para cá, contabiliza muito avanços. Inclusive é referência para outros setores da economia que acreditam, assim como nós, que a autorregulação é o caminho mais curto para a redução do oportunismo.
Acreditamos que, quando toda cadeia enfatiza o diálogo, dando holofote aos gargalos que denotam as deficiências nas relações econômicas entre os players do setor, tudo muda, e conseguimos assim vislumbrar um encurtamento para combater o oportunismo. Lembrando que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico aponta que o caminho da autorregulação confere notória credibilidade à regulamentação produzida, dando ênfase a sua validade, pois envolve setores e partes interessadas em todo processo, o que reflete de forma direta a otimização na utilização dos recursos. De modo assertivo, o “Guia para Avaliação de Concorrência” da OCDE afirma que os conhecimentos específicos dos participantes, em caso de autorregulação, são utilizados como forma de trazer sustentação para o processo regulatório, tendo como importante característica normas devidamente adaptadas ao propósito do setor, em nosso caso, a Saúde.
Apesar dos avanços nestes sete anos de Instituto Ética Saúde, quando olhamos para os números – e eles dizem quase tudo – percebemos que ainda estamos longe do razoável. Vou citar aqui dois dados: considerando que pelo menos 2,3% de tudo que é investido na saúde se perde com fraudes, no Brasil, e que o orçamento destinado ao setor (público e privado) nos últimos anos correspondeu a 9,2% do PIB – R$ 680 bilhões -, concluímos que R$ 22,54 bilhões vão parar em mãos erradas todo ano, ao invés de serem destinados a aquisição de equipamentos mais modernos, medicamentos, contratação de médicos, construção de hospitais e assim por diante.
Outro dado: o Portal da Transparência mostra que 36,28% do que se investe em saúde é destinado a Assistência Hospitalar e Ambulatorial; 31,25% para Administração Geral; 17,16% para Atenção Básica; e 7,55% para Suporte Profilático e Terapêutico. Ou seja, a segunda maior destinação – R$ 47 bilhões – são gastos com controles, gerenciamento e administração. Este é o ‘custo da falta de confiança’ ou ‘custo da ineficiência’. Imaginemos 10% a mais de investimento em saúde. São R$ 71 bilhões. Dinheiro suficiente para a construção de 10 hospitais com 130 leitos cada; ou 88 mil mamógrafos de última geração; ou ainda 11,8 milhões de marcapassos.
Só existe uma maneira de reverter esses números. Precisamos parar de pensar na saúde como um jogo de “soma zero” onde um ganha mais em detrimento de outro que perde. Temos que conseguir construir modelos colaborativos, “ganha-ganha”, que promovam eficiência possibilitem a entregas de maior qualidade. O desafio é como desenvolver um ambiente onde a atuação íntegra seja a única aceita, promovendo o aumento da confiança, possibilitando a autonomia e melhorando a satisfação dos indivíduos da cadeia e da população atendida.
Nossas lideranças seguem defendendo interesses dos setores que representam, sem conseguir criar uma coordenação horizontal efetiva que reduza os custos de transação, aumentando a eficiência da cadeia. Os avanços na saúde são inquestionáveis, mas ainda não entregamos à população aquilo que poderíamos, dadas as nossas capacidades. Poderíamos ser mais eficientes, entregar mais e mesmo remunerar melhor a cadeia, se o nível de confiança entre os agentes fosse maior. Neste sentido a atuação íntegra, pautada em valores éticos tácitos está sendo apontada como fator estratégico de sucesso.
Vamos seguir investindo: pesquisa, capacitação de profissionais, tecnologias e infraestrutura. Seguiremos atraindo investimentos privados e alocando uma parcela relevante do orçamento da união. Isso representa a continuidade de algumas tendências, aceleração de outras e disrupção em alguns segmentos. Há, contudo, uma grande oportunidade. Algumas tecnologias que estão surgindo têm potencial para mudar a forma como as transações ocorrem na cadeia. Seja pela promoção efetiva do que denominamos “patient engagement” ou pela promoção de mais transparência nas transações. Tais tecnologias podem auxiliar o desenvolvimento de novos modelos de negócio e proporcionar um ganho importante de eficiência no setor.
Em paralelo, mudanças importantes estão ocorrendo, por exemplo, a nova legislação que substitui a antiga Lei Geral de Licitações e Contratos da Administração Pública, 8.666/1993, a Lei do Pregão, 10.520/2002, e o Regime Diferenciado de Contratação (RDC, 12.462/2011) – que entra em vigor em abril de 2023. O sucesso da nova lei, que coloca em evidência parâmetros efetivos para fortalecimento da governança na administração pública, depende muito de como as lideranças vão atuar. Precisamos de assertividade para que esse processo seja produtivo. E o papel das associações é fundamental. Precisamos sentar e discutir a diminuição da burocracia.
Temos a convicção que a mudança depende do diálogo franco. Por isso, o Instituto Ética Saúde está trabalhando no empoderamento das associações, entidades e sociedades que representam todos os elos dessa cadeia, por meio do nosso Conselho Consultivo, que conta hoje com 29 instituições. Estamos falando da indústria, distribuição, hospitais, laboratórios, operadoras de saúde, médicos, profissionais de saúde e representantes dos pacientes sentados em uma mesma mesa, debatendo com franqueza os erros e acertos.
Tudo dependerá da forma de adoção, o que mais uma vez reforça a responsabilidade das lideranças. Em algum momento, no futuro, iremos avaliar a evolução da saúde no país e, de certa forma, estaremos julgando o trabalho daqueles que tinham influência e deveriam ter liderado as mudanças necessárias.