Política externa brasileira volta ao protagonismo

Por Guilherme Frizzera*

 

A cada quatro anos, os estudiosos e analistas em política externa brasileira buscam medir o grau de importância que a diplomacia recebe nas campanhas eleitorais e, posteriormente, no discurso de posse do novo presidente, seguido do discurso de transmissão de cargo para o novo chanceler. Esse é o exercício proposto nesse artigo quando da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seu chanceler Mauro Vieira.

Em seu discurso no Congresso Nacional, o presidente Lula dedicou uma pequena parte de sua mensagem para o tema da política externa, já ao final de sua fala. O discurso buscou colocar o Brasil de volta como um protagonista nas relações internacionais, tendo como eixos fundamentais a atuação brasileira nas questões de política ambiental global e na integração da América do Sul.

Na questão ambiental, focada principalmente na Amazônia, Lula deixou claro que o Brasil será soberano nas políticas de preservação, deixando evidente que o governo buscará a retomada de liderança nos foros internacionais relacionados à questão ambiental global. Esta é uma pauta ao qual o Brasil poderá se destacar, não ficando limitado apenas ao papel de respeitador de acordos e regras internacionais de preservação do meio ambiente, mas assumindo a participação nos mecanismos de governança. Por conta desse objetivo, é esperado uma atuação internacional de protagonismo entre as figuras do próprio presidente Lula e de sua ministra do Meio Ambiente Marina Silva, conjuntamente com uma atuação institucional do Ministério das Relações Exteriores.

Sobre a retomada da integração sul-americana, o presidente Lula resgatou o Mercosul e a Unasul, duas organizações que representam a importância que o tema da integração recebeu ao longo dos seus oito anos como presidente e que foram completamente abandonadas pelos governos Temer e Bolsonaro, nos últimos anos. Através dessas organizações, a política externa brasileira exerce uma liderança quase que natural, garantindo que a região possua um mínimo de confluência em suas agendas internacionais e um maior peso nas mesas de negociação de temas como o comércio internacional. Destaca-se o retorno do conceito de uma política externa “altiva e ativa”, evidenciando a clara influência de Celso Amorim, chanceler ao longo dos dois mandatos de Lula, nas diretrizes para a diplomacia brasileira de seu terceiro mandato presidencial. Aliás, no discurso de transmissão de cargo, o novo chanceler Mauro Vieira fez questão de destacar que ele contará com a “sabedoria, experiência e cooperação” de Amorim na reconstrução da diplomacia brasileira, sendo o ex-chanceler um modelo de diplomata e de ministro.

Os eixos de política externa apresentados no discurso do presidente Lula se fizeram presentes na fala do chanceler Mauro Vieira, atribuindo à questão ambiental e a integração sul-americana, parte da identidade internacional do Brasil. Além disso, o chanceler destacou a importância da retomada de uma política externa voltada para a África e Oriente Médio, regiões estratégicas para as pretensões brasileiras e que possuíam destaque na diplomacia dos dois mandatos anteriores de Lula. Por fim, o discurso do chanceler condicionou a atuação diplomática de reconstrução do Brasil não apenas ao Itamaraty, mas a uma atuação direta e prioritária do presidente Lula nas relações exteriores.

Há um destaque negativo no discurso do ministro: o retorno da busca por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Essa obsessão da diplomacia brasileira já gerou custos – financeiros, militares e políticos – elevados como, por exemplo, a missão de paz no Haiti, que inicialmente era para durar seis meses e se estendeu de 2004 a 2017. O que resultou em nenhum indicativo de mudança no número de cadeiras permanentes na ONU.

Nenhum país conseguirá avançar em sua agenda de desenvolvimento – econômico e social – sem atuar fortemente na arena internacional, algo negligenciado, nos últimos anos, pelo Brasil. As péssimas escolhas na política externa de Bolsonaro levaram ao fim do nosso protagonismo nas questões ambientais, onde deixamos a liderança para nos tornarmos páreas, no desmanche do aprofundamento da integração regional e o abandono por completo nas relações com a África e a Ásia.

A reconstrução da política externa brasileira precisa estar antenada aos principais desafios globais, onde apenas a referência ao passado não será suficiente para trazer boas respostas. As expectativas são grandes e há uma boa vontade da comunidade internacional com o Brasil, mas isso demanda que o governo atue de forma responsável, pragmática e transversal, focando em agendas e objetivos contemporâneos e não apenas ao retorno de um passado visto como glorioso.

*Guilherme Frizzera é doutor e coordenador de Relações Internacionais do Centro Universitário Internacional UNINTER.

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