Sobre o Destino

Daniel Medeiros*

 

No filme โ€œAbout Fateโ€, o rapaz entra na casa errada e dorme na cama da mocinha, que o surpreende e pensa que ele รฉ um ladrรฃo. Mas entรฃo, vรกrias coincidรชncias se revelam. Eles se reconhecem da noite anterior, pois estavam no mesmo restaurante, ele pedindo a namorada em casamento, ela esperando que o namorado a pedisse. Alรฉm disso, ambos amam gatos e tรชm um pรดster do filme โ€œBonequinha de luxoโ€ pendurado na sala. Bom, nem precisa dizer que a histรณria se alonga com novas coincidรชncias atรฉ que o inevitรกvel fim se revela: eles ficam juntos e “serรฃo felizes para sempre”.

Nรฃo รฉ de hoje que as coincidรชncias sรฃo tratadas como algo mรญstico e com forรงa decisรณria para muita gente. โ€œNรฃo acredito em coincidรชnciaโ€, dizem alguns. โ€œFoi uma coisa mรกgica: era impossรญvel que tudo o que aconteceu fosse simples acasoโ€, afirmam outros, para justificar suas decisรตes. Lรณgico que ninguรฉm pensa nas inรบmeras vezes nas quais as coincidรชncias simplesmente nรฃo ocorreram, o que , diga-se de passagem, รฉ a regra e nรฃo a exceรงรฃo. Mas quando acontece de vocรช estar naquele exato momento, naquele exato lugar e encontra aquela pessoa, ah, diga-me, qual รฉ a possibilidade disso acontecer do jeito que aconteceu? Ora, hรก uma simples resposta matemรกtica para isso, mas quem liga? O destino, esse danado, รฉ quem tem a razรฃo.

Nosso cรฉrebro รฉ muito eficaz em garantir a nossa sobrevivรชncia mas, para isso, teve de aprender a decidir rรกpido e, para decidir rรกpido, teve de aprender a pegar atalhos cognitivos. ร‰ o que os especialistas chamam de โ€œvieses cognitivosโ€.ย  A gente toma atitudes achando que รฉ a melhor decisรฃo, quando, na verdade, รฉ o nosso cรฉrebro livrando-se do problema imediato, gastando pouca energia e liberando-se para cuidar do prรณximo “tigre de dentes de sabre” que deve estar logo ali na esquina.ย 

O que chamamos de destino, isto รฉ, a associaรงรฃo de fatos aleatรณrios em uma narrativa aparentemente coerente e justificadora de nossas decisรตes, nรฃo passa de um desses vieses. Muitas amizades, muitos negรณcios, muitas viagens, muitos casamentos foram sacramentados por causa do nosso cรฉrebro apressadinho e super protetor. Depois, o que resta รฉ repetir a histรณria para nรณs mesmos, muitas vezes, atรฉ acreditarmos nela. Afinal, teremos de explicar por que resolvemos casar com aquela pessoa que conhecemos hรก apenas trรชs semanas ou por que admitimos como sรณcio do negรณcio aquele cidadรฃo com o qual esbarramos em uma saรญda de show.

Rubem Alves, que foi professor de Filosofia da Ciรชncia na Unicamp, conta em um de seus livros sobre o espanto que seria para qualquer um de nรณs entrar em um supermercado e receber um prรชmio por ser o cliente nรบmero 7693. Certamente a curiosidade seria maior do que a alegria: โ€œmas por que me dar um prรชmio por eu ser o cliente 7693?โ€. No entanto, se o prรชmio fosse por sermos o cliente nรบmero 10 mil, nรฃo haveria espanto nenhum, sรณ a alegria e mais um reforรงo do viรฉs cognitivo: โ€œsou mesmo um cara de sorte. E olha que eu nem tinha intenรงรฃo de entrar no superme.

*Daniel Medeiros รฉ doutor em Educaรงรฃo Histรณrica e professor no Curso Positivo.

@profdanielmedeiros

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