Por Maria Eduarda Ferreira Piccoli, advogada da Assis Gonçalves, Kloss Neto e Advogados Associados
Com a aprovação das contas dos administradores sem ressalvas pela assembleia geral, haverá em favor deles uma presunção relativa de exoneração de responsabilidade. Ou seja, via de regra, até prova em contrário, presume-se que tais administradores não se encontram em falta para com a sociedade.
Entretanto, tal presunção de inocência pode ser elidida mediante a comprovação do ato ilícito em prejuízo da sociedade por parte do gestor. Desse modo, evidenciados o dano e a culpa, será cabível a ação de responsabilidade civil contra os administradores mesmo após a aprovação das contas sem ressalvas.
Na ação em questão, a prova a ser produzida é a de que o administrador cometeu ato ilícito em prejuízo da sociedade. Ou seja, uma vez configurado o dano, será necessário demonstrar a culpa, o dolo ou a violação da lei ou do estatuto.
Ademais, será necessário indicar que a aprovação das contas pela assembleia decorreu de vícios de consentimento, tais como erro dos acionistas ao aprovar as contas – por desconhecerem o ato ilícito praticado – ou de dolo – que seria o erro induzido. Reporta-se ainda a Lei das Sociedades por Ações, em seu art. 134, § 3º, à fraude ou simulação como vícios que igualmente desconstituiriam a presunção de inocência dos administradores.
Conforme acrescenta o art. 286 da Lei das Sociedades por Ações, a ação para anular a deliberação que aprovou as contas prescreve em dois anos, contados da deliberação. Por sua vez, se o objetivo é apenas a responsabilização civil dos administradores, e nessa ação será feita a prova do ilícito apto a afastar a presunção de exoneração de responsabilidade, o prazo prescricional será de três anos, nos termos do art. 287 do diploma legal referido – contados da publicação da ata que aprovar o balanço referente ao exercício em que a violação tenha ocorrido.
O entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça é o de que, para a propositura da ação de responsabilidade civil contra administradores, é necessária a prévia propositura de ação de anulação da assembleia de aprovação de contas da sociedade no prazo bienal.
Entretanto, segundo bem destacam Alfredo de Assis Gonçalves Neto[1] e José Edwaldo Tavares Borba[2], para a ação de responsabilidade civil não deveria se impor, como condição prévia, a desconstituição da deliberação que aprovou as contas desses administradores. Isso porque, para alcançar à responsabilização de um administrador, independentemente da gravidade do ato que tenha praticado em prejuízo da companhia, o acionista minoritário teria de agir contra a sociedade (que pode estar representada pelo administrador faltoso) para, na sequência, agir pela sociedade (por legitimação extraordinária) contra o mesmo administrador na persecução do ressarcimento almejado.
Ademais, a reunião ou assembleia que aprova as contas pode não ter defeito algum. Mesmo assim, com a prescrição da ação de anulação da assembleia, que é genérica, não mais prosperaria a ação de responsabilidade civil, que é específica, transformando-se uma presunção relativa de exoneração de responsabilidade em uma presunção absoluta.
Dessa forma, a ação de responsabilidade civil deveria ser vista como uma ação autônoma, guardando um prazo prescricional maior que o previsto para anulação de deliberação da assembleia geral. Nesse caso, a deliberação da assembleia geral, que aprova as contas, não é anulada, uma vez que, na ação de responsabilidade civil não se desconstitui a aprovação das contas. Busca-se caracterizar o ilícito, que é concreto, específico e enseja o dever de indenizar.
[1] GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 11. Ed. São Paulo: Thomson Reuters. Brasil, 2023, p. 482.
[2] BORBA, José Edwaldo Tavares. Prazo de prescrição da ação de responsabilidade civil de administradores cujas contas tenham sido aprovadas sem ressalvas In: FILHO, Alberto Venancio; LOBO, Carlos Augusto da Silveira; ROSMAN, Luiz Alberto Colonna. Lei das S.A. em seus 40 anos. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2017, p. 519.