Pesquisadores examinaram 7.595 mortes súbitas de crianças com menos de 1 ano entre 2011 e 2020 nos Estados Unidos
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
A prática da cama compartilhada entre mães e bebês ainda é um hábito amplamente utilizado por muitas famílias, mas é condenada pela maioria das entidades médicas – incluindo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) – por causa do risco de morte súbita nos recém-nascidos. Agora, um novo estudo publicado na Pediatrics vem corroborar essa contraindicação ao apontar que quase três em cada cinco mortes súbitas infantis e inesperadas ocorreram enquanto o bebê compartilhava a superfície de sono com uma ou mais pessoas.
Para chegar à conclusão, os autores examinaram 7.595 mortes súbitas em lactentes (crianças com menos de 1 ano) entre 2011 e 2020 nos Estados Unidos. Ao cruzar os dados, eles descobriram que a maioria dos casos ocorria com bebês que compartilhavam cama e eram mais frequentes em crianças entre zero e 3 meses. Segundo a Associação Americana de Pediatria (AAP), o risco de morte súbita aumenta em dez vezes se o bebê dividir a cama com alguém que esteja com a capacidade de acordar reduzida por causa de fadiga ou do uso de medicações ou outras substâncias. O mesmo risco, segundo a associação, existe se essa superfície de sono não for a cama adequada.
A morte súbita é definida como os casos de morte inesperada de qualquer bebê menor de 1 ano de idade e que permanece inexplicada após uma investigação detalhada do caso, incluindo autópsia, investigação do local do evento e revisão da história clínica da criança. Embora não existam dados oficiais sobre o número de casos no Brasil, estima-se que o problema atinja um bebê a cada 10 mil nascimentos.
Em geral, a morte súbita acontece no local em que o recém-nascido está dormindo (cama, sofá, carrinho etc.) e não existe nenhum sinal de alerta prévio para demonstrar que aquela criança estava em situação de risco. Ainda não há uma explicação científica que mostre o que leva à morte, mas vários estudos têm demonstrado que um dos principais fatores de risco é o ambiente do sono da criança, que muitas vezes está exposta a condições consideradas inadequadas e inseguras para dormir.
“Esse estudo analisou a mortalidade de lactentes e o resultado é muito impressionante. A Sociedade Brasileira de Pediatria orienta que nos primeiros meses de vida a criança durma no berço dela, anexo à cama da mãe, mas não na mesma superfície. Ela precisa dormir em uma superfície firme e não fofa, sem travesseiro e, de preferência, não dormir com o estômago cheio. Além disso, depois de mamar ela precisa arrotar para dormir”, disse o pediatra Tadeu Fernando Fernandes, presidente do Departamento Científico de Pediatria Ambulatorial da SBP, ao destacar que a amamentação é um fator de proteção.
O tema é tão importante que a SBP divulgou uma nota de alerta no ano passado para orientar pais e pediatras sobre o sono seguro. No documento, feito com base nas orientações norte-americanas, os pediatras dizem que a cama segura para o bebê não deve ter travesseiros, lençóis, cobertores, bichos de pelúcia, animais domésticos nem qualquer outro objeto de decoração, pois eles aumentam o risco de sufocamento. O documento diz ainda que o risco da cama compartilhada é maior quanto mais tempo o bebê permanecer nela.
Dormir de barriga para cima
Entre as recomendações de segurança estão colocar o bebê com menos de 1 ano para dormir sempre de barriga para cima, sem travesseiro e sem outros objetos que possam atrapalhar o sono. As posições de lado ou de barriga para baixo não são consideradas seguras nessa idade porque a criança não tem força suficiente para se virar caso comece a faltar o ar. O documento ressalta ainda que o berço deve ter uma superfície rígida e não inclinada, com o colchão completamente adaptado, sem sobras.
O bebê deve dormir no quarto dos pais preferencialmente até os 12 meses, mas em um berço próximo e não na mesma cama. Segundo o documento, compartilhar o quarto com os pais, sem compartilhar a cama, reduz em 50% o risco de morte súbita. O aleitamento materno também é apontado como um fator protetor. Nas estações mais frias do ano, a recomendação é agasalhar o bebê com roupas apropriadas e não usar cobertas que podem acabar cobrindo o rosto da criança durante a noite. Por fim, o bebê deve ser mantido em ambientes livres de cigarro – o tabagismo aumenta o risco de morte súbita.
Segundo o pediatra Thomaz Bittencourt Couto, professor médico da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, quando pensamos nas causas da morte súbita, existe um modelo chamado risco triplo, que busca explicar as razões. “Ele avalia a associação de vulnerabilidades de base (como a prematuridade e algumas condições genéticas que favorecem esses eventos), vulnerabilidades do estágio de maturação neurológica, cardíaca e imunológica da criança (que é mais pronunciada em menores de 4 meses) e, finalmente, eventos desencadeantes e fatores ambientais. Esses fatores incluem principalmente a posição prona para dormir (que é dormir de barriga para baixo), mas também a exposição ao tabagismo e dormir em uma cama macia, fofa ou compartilhada. Muitas vezes, há uma soma desses fatores”, disse.
Couto ressalta que, apesar de todas as evidências e da recomendação médica, o maior desafio para reduzir os casos de morte súbita ainda é cultural. “Muita gente se atenta aos aspectos estéticos do berço, por exemplo, e não ao risco que aquele bebê corre com um berço cheio de acessórios. E existe a ideia de que compartilhar a cama é mais seguro, o que comprovadamente não é verdade”, finalizou.
Fonte: Agência Einstein