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O excesso de telas e as consequências no desenvolvimento infantil

Por: Esther Cristina Pereira*

O excesso de telas tem comprometido o cérebro e a afetividade dos humanos. Essa realidade é embasada por dados e comprovada diariamente. A partir desse entendimento, é importante refletirmos sobre esse cenário. A cognição e a afetividade estão, cada vez mais, se esvaziando e ficando deficitárias para o mundo atual.

Até poucos anos atrás, tínhamos a possibilidade de telefonar para amigos e parentes sem consultar a agenda. Utilizávamos nosso cérebro para memorizar e captar as informações quando necessário. Hoje, procuramos o contato na agenda do celular sem a necessidade de teclar o número. Basta dar um comando que as assistentes virtuais dos smartphones fornecem os dados.

Apenas esse simples ato nos leva a um questionamento: de que forma estamos acessando nossa memória de longo e curto prazo? Nós somos os adultos do mundo, os modelos a serem seguidos pelas nossas crianças e adolescentes. O que estamos transmitindo para eles além de dados, facilidades e falta de tempo?

A reflexão, nesse momento, é um bem valioso para pensarmos sobre o rebaixamento cognitivo e afetivo dentro das escolas e no dia a dia das famílias quando se trata de crianças em formação. Cabe pensarmos em nossa mediação junto aos filhos e alunos. Como mediar o uso excessivo das tecnologias e seus acessos e consumo, muitas vezes, desnecessários?

Nem toda informação é conhecimento. Em tempos de excessos, ensinar a fazer escolhas e se responsabilizar por elas pode ajudar muito a recuperar sinapses e gerar conexões inteligentes. Vocês já pararam para observar que nem nós, adultos, estamos usando nossa memória para buscar dados? Apenas damos um Google e lá vem a resposta e, consequentemente, os deveres de casa no modo copia e cola.

As crianças nascem e já são colocadas em contato com o mundo externo no segundo dia de vida. Não existe mais uma adaptação ao novo ambiente e aos pais. Com meses de vida, elas já estão em locais públicos e festas, com a chupeta eletrônica em frente: uma tela para entretenimento. Será que tantos excessos e estímulos precoces não exigem respostas rápidas e hiperativas?

O momento presente nos convida a um repensar de comportamentos, vivências e prioridades. Repensar alguns comportamentos se faz necessário e urgente. Receber uma criança é uma tarefa intransferível e que exige dos adultos muita responsabilidade e disponibilidade. O acolhimento da criança fará toda a diferença na sua vida afetiva e cognitiva. Os pais são considerados os primeiros objetos de amor desse ser e, a partir desses primeiros vínculos, ele irá conhecer a si mesmo, o outro e o mundo. É a primeira porta aberta para as aprendizagens – ou não.

Não quero aqui ser demagoga e dizer que os bebês precisam passar por uma quarentena. Não é essa a questão. O ponto essencial é a presença acolhedora, a ambientação de ruídos e a adaptação de cada dia. Crianças não são objetos, são seres viventes em desenvolvimento, ainda frágeis perante tantos estímulos e demandas.

Observar mais e expor menos pode ser um primeiro passo. O cuidado nos anos iniciais fará toda diferença pela vida afora. Da mesma maneira, as tecnologias que temos e com as quais eles interagem em tenra idade devem ser reguladas e acompanhadas pelos adultos responsáveis. O tablet no banco do carro para que a criança fique em silêncio tira toda a possibilidade dela explorar o mundo lá fora. A observação e a retenção do que se vê são ingredientes para ter atenção. Já pensaram nisso?

Podemos ter nossas próprias verdades e justificativas, mas esse não é o caminho do afeto, do vínculo e, muito menos, do diálogo, que é tão cobrado lá na adolescência.

A falta de olho no olho e o excesso de olhar em telas tem nos desumanizado e aumentado a banalização de tantos transtornos e deficiências. Estarão as novas gerações com déficit de humanos adultos disponíveis? Precisamos rever alguns conceitos. E rápido!

O papel da escola, da sociedade, dos pediatras e dos terapeutas faz-se urgente junto às famílias. As crianças perderam a capacidade de fazer coisas simples, de se relacionar, de brincar, de dialogar e de obter movimentos físicos que auxiliem no dia a dia. Como exemplo, podemos citar a dificuldade para se vestir, para dobrar a roupa, para silenciar e para entender regras, pois a vida está sendo alicerçada com falta do dia a dia intenso com a família. Onde moram tantas dificuldades?

Cansamos de ver famílias em restaurantes e cada um na sua própria telinha. Aquele poderia ser um momento de encontro e, no entanto, vira um encontro de solidões e silêncios compartilhados. Crianças sendo alimentadas pelos pais, assistindo desenhos, pais postando os pequenos filhos em suas redes nada sociais. Precisamos repensar!

Onde fica o processo de aprendizagem das coisas simples? Como esse ser humano pequenino está constituído sem mediação de outro humano? Onde estão as conexões humanas e suas primeiras habilidades cognitivas para o cálculo, para a leitura e para os conflitos de aprender e crescer?

Estão aprendendo a não pensar, a não usar o cérebro e a automatizar emoções e sensações cada vez mais empobrecidas. O cérebro é um órgão social em constante desenvolvimento e que precisa ser estimulado desde os primeiros dias. Por isso, temos que mudar essa realidade com muita responsabilidade.

Precisamos estimular as crianças e fazer com que elas olhem para fora das telas. Devemos propor tarefas e brincadeiras, dedicar um tempo para criar, imaginar, fantasiar e, além disso, pensar no coletivo e na família, ajudar nas pequenas tarefas da casa, da escola e, amanhã, do mundo.

A Europa é um país que tem se dedicado com afinco para isso, para o tempo para estruturar as crianças desde recém-nascidas para o uso do que temos de mais importante: o cérebro e sua emoção. Quando nos deparamos com estudos sobre o malefício que a tecnologia tem causado às crianças, nos questionamos o porquê dos adultos não mudarem sua maneira de educar as crianças para isso.

Será que os adultos também estão precisando de ajuda com seus excessos? Conectar-se em excesso com máquinas sinaliza um desconectar-se de si e do outro. Pensem nisso. Que futuro nos espera? Pensar, calcular, ter coordenação motora fina ou ampla de qualidade e possuir um vocabulário robusto são algumas das habilidades que hoje estão se perdendo consideravelmente.

Essa realidade também gera questionamentos de que as crianças não estão em franco desenvolvimento e aprendizado, gerindo e regulando suas próprias emoções. Quais são os modelos que elas acompanham? Youtubers? Chegam da escola e, com o vício nas telas, não se desligam nem na hora de dormir, acordar e estudar. Elas estão intoxicadas de eletrônicos e muitas sofrem fisicamente com o distanciamento de sua máquina.

Cresce o número alarmante de crises de abstinência em crianças e adolescentes. A companheira inseparável, Alexa, é quem diz as respostas, pensa e corrige os pequenos. E onde está o adulto da relação neste momento?

Não necessitamos de especialistas para saber que resultado temos tido com a tecnologia tomando a frente na educação das crianças. Basta que olhemos atentamente para o número de patologias criadas. O brincar livremente virou um produto de luxo.

Já observaram que toda festa infantil tem recreadores? Os espaços públicos como praças, ruas e museus estão cada vez menos habitados. Usar o cérebro de forma efetiva é tarefa da família. Esse é um aprendizado de vida e para a vida. O cérebro precisa de estímulo.

Como aprender a ler se os pais não têm hábitos de leitura? Como ler sem mediação? Como conversar em tempos de monólogos e emoticons? Como saber esperar a sua vez, se frustrar, ganhar e, até mesmo, perder se isso não é exercitado?

Poderíamos ficar aqui escrevendo e refletindo, mas o tempo presente não nos permite mais esperar. O pedido é para os adultos: retomem seus lugares de referência na vida de seus filhos, deem as mãos com a escola, que é sua maior parceira nessa transição de mundo, e assumam a viagem da vida rápida de seus filhos que estão crescendo no quarto ao lado do seu (e não nas suas camas compartilhadas). Retomem o papel social de família e o papel educativo que a família possui, pois a escola não pode assumir essa responsabilidade. O momento pede: recalculem a rota da educação familiar.

Esther Cristina Pereira é Pedagoga, Psicopedagoga, Professora, Conselheira da Escola Atuação e Diretora da Fenep.*

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