(*) Andrรฉ Frota
A populaรงรฃo cubana foi ร s ruas protestar contra o regime Castrista que hoje รฉ comandado por Miguel Dias Canel e o evento provocou uma onda de manifestaรงรตes por parte de lideranรงas polรญticas internacionais e nacionais. A ilha caribenha, que possui onze milhรตes de habitantes, serve como escada para uma guerra de narrativas entre forรงas polรญticas opostas.
A problemรกtica que ocupa as discussรตes da opiniรฃo pรบblica, sobretudo no continente americano, รฉ oriunda da narrativa que explica a crise do regime Castrista. Uma parcela das lideranรงas da esquerda latino-americana atribui a crise do regime e o subdesenvolvimento da ilha ao embargo iniciado em 1958. A situaรงรฃo agora รฉ agravada pelo choque restritivo derivado da pandemia, impactando a entrada de dรณlares na economia cubana pela retraรงรฃo do turismo, pela dificuldade de envios de remessas ร ilha ou mesmo pela corrosรฃo do valor da sua moeda. Nessa linha de raciocรญnio a pobreza, o isolamento e a fome pelas quais passam os cubanos seriam resultado do embargo aplicado pelos norte-americanos.
De forma oposta, grupos conservadores atribuem como causa da crise cubana o socialismo Castrista, e apontam Cuba como um modelo de fracasso social, de autoritarismo e de colapso econรดmico. Esse ponto de vista entende o embargo como uma razรฃo secundรกria diante do peso do regime socialista.
Ambas as narrativas se chocam no campo das disputas eleitorais e fazem parte da estratรฉgia de uso do sรญmbolo que Cuba representa para o continente americano. De fato, como a historiografia demonstra, quando a revoluรงรฃo Cubana ocorreu em 1959, o evento foi recepcionado pelos grupos polรญticos ร esquerda como um horizonte a ser inserido entre os diversos projetos polรญticos possรญveis. Por outro lado, o temor de que a experiรชncia cubana se alastrasse para outras partes da historicamente revolucionรกria Amรฉrica Latina acentuou a perseguiรงรฃo aos comunistas no continente por parte de grupos da direita, em defesa da seguranรงa nacional e com apoio norte-americano.
Entretanto, o horizonte revolucionรกrio que Cuba representou na metade do sรฉculo XX deve ser balizado pelo seu contexto histรณrico. Jรก a disputa narrativa sobre a crise cubana deve ser adaptada ao novo perfil da esquerda no sรฉculo XXI. Assim como as forรงas de esquerda, entre o inรญcio e o final do sรฉculo XX, migraram de um modelo de defesa socialista para um modelo trabalhista/democrata de reinvindicaรงรฃo, a vinculaรงรฃo dessa nova esquerda contemporรขnea ao regime Castrista รฉ anacrรดnica.
Atรฉ podemos, de forma analรญtica, entender a crise cubana como uma combinaรงรฃo entre causas internacionais โ pandemia, embargo, isolamento โ e causas domรฉsticas โ perda de legitimidade do regime, nรญvel de empobrecimento da populaรงรฃo, novo grau de acesso ร informaรงรฃo aberta, morte de lideranรงas histรณricas e crise inflacionรกria. No entanto, e em vias de sรญntese, as explicaรงรตes de maior rigor acadรชmico ocorrem em outro campo de comunicaรงรฃo. No sรฉculo XXI o campo das disputas narrativas (do qual Cuba รฉ um sรญmbolo central) รฉ associado ao fim de um regime autoritรกrio, aquele do qual as forรงas de esquerda tรชm lutado para desvincular a sua imagem.
(*) Andrรฉ Frota รฉ professor de Relaรงรตes Internacionais e Geociรชncias do Centro Universitรกrio Internacional UNINTER