Das gangues ao hip-hop: a cultura juvenil como aliada no combate à violência

(*) Maria Emília Rodrigues

Nos anos 1970, os países capitalistas centrais atravessavam por uma crise econômica que adquiriu contornos dramáticos na cidade de Nova York, porque somou-se a uma crise fiscal local. Além disso, os Estados Unidos enfrentavam as perdas humanas e financeiras da Guerra do Vietnã, e as utopias da década anterior pareciam ter-se esvanecido. O desemprego, junto a cortes orçamentários em serviços públicos essenciais, teve como consequência o aumento da pobreza, criminalidade e abuso de drogas, atingindo principalmente os bairros habitados por populações predominantemente negras e latinas.

Neste contexto, os jovens buscavam na formação de gangues de rua pertencimento, autoafirmação, e um meio de garantir segurança pessoal e de suas comunidades. As gangues promoviam crimes como roubos e assaltos, e também intensas rivalidades entre si, não raro ocorrendo brigas e mortes violentas, resultando em uma espécie de guerra civil não declarada. Elas dominavam várias regiões da cidade, com algumas chegando a contar com milhares de membros.

No documentário Rubble Kings, de 2015, há relatos de como a situação era desoladora no Sul do Bronx. A região sofreu os impactos de um projeto urbano mal sucedido que instalou uma via expressa em meio às habitações, sem considerar as pessoas que ali viviam. Assim, muitos habitantes abandonaram o bairro, resultando em prédios vazios e incêndios criminosos. Os moradores que restaram tiveram de conviver com a escalada da violência e da pobreza, em um cenário que se assemelhava às imagens de cidades europeias devastadas após a Segunda Guerra.

E foi justamente nesse local que floresceu um dos movimentos culturais mais expressivos das últimas décadas, o hip-hop. O movimento surgiu a partir de acordos de paz firmados entre líderes de gangues que perceberam que suas ações se dirigiam contra eles próprios, sua classe social e etnia, e não ao combate àquela situação. Gangues até então rivais passaram a promover festas e encontros em “território inimigo” como forma de selar a paz e garantir a diversão em locais que não possuíam nenhum tipo de lazer ou espaço cultural fornecidos pelo poder público.

Desta forma, a rivalidade passou a ser expressa em desafios de dança e batalhas de rima. E a “ocupação” do território, pelo artista que conseguia deixar sua marca através do grafite. A revolta foi canalizada em poesia e música (o rap) denunciando o racismo, a violência policial, as desigualdades sociais e a marginalização da população pobre. A própria Guerra do Vietnã foi alvo de crítica: parte dos movimentos da dança break representam metralhadoras, helicópteros, soldados sendo alvejados, e os veteranos que retornavam ao país mutilados.

O hip-hop promoveu uma cultura de paz e ofereceu novas perspectivas à juventude negra e periférica, além de contar com membros ativos em projetos sociais. A partir dos anos de 1980, o movimento se difundiu em diferentes países, incluindo o Brasil. Embora a indústria cultural tenha se apropriado em muito de seus elementos, o movimento se mantém atuante em seus propósitos e características originais em diversas comunidades e artistas independentes. E é um exemplo sobre como a arte e a cultura são fundamentais.

Maria Emília Rodrigues. Mestra em Sociologia, professora da área de Humanidades, do curso de Sociologia do Centro Universitário Internacional Uninter

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