Larissa Warnavin (*)
Todos os anos, no perรญodo de janeiro a marรงo, existe grande concentraรงรฃo de chuvas em algumas regiรตes brasileiras. Essas chuvas provocam deslizamentos, inundaรงรตes e alagamentos, trazendo prejuรญzos materiais e a perda de vidas. A situaรงรฃo รฉ agravada pela concentraรงรฃo de ocupaรงรตes irregulares e o baixo investimento em estratรฉgias para mitigaรงรฃo desses impactos, como, por exemplo, sistemas de alerta antecipado de riscos.
Alguns governos se utilizam do discurso โ e do fato โ das mudanรงas climรกticas para justificar a situaรงรฃo calamitosa. Porรฉm, apesar dos eventos climรกticos extremos terem se acentuado nas รบltimas dรฉcadas, sabemos que eventos de chuvas concentradas ocorrem periodicamente em vรกrios municรญpios brasileiros. Ou seja, รฉ possรญvel agir previamente e ser preventivo, entรฃo culpar os fenรดmenos naturais acaba sendo uma forma de mea culpa sobre a responsabilidade dos governos na manutenรงรฃo da seguranรงa dos cidadรฃos.
Nos รบltimos meses, assistimos ร ocorrรชncia de fortes chuvas nos estados de Minas Gerais, Sรฃo Paulo, Espรญrito Santo e Rio de Janeiro, episรณdios que causaram grandes transtornos para as populaรงรตes locais. Eventos semelhantes ocorreram tambรฉm na Bahia, Cearรก, Tocantins, Maranhรฃo, Piauรญ, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Goiรกs em dezembro de 2021. Pesquisadores afirmam que a quantidade excepcional de chuvas nessas รกreas faz parte da dinรขmica atmosfรฉrica global, aliada a outros fatores como desmatamento e ocupaรงรตes desordenadas โ muito prรณximas a rios ou em รกreas montanhosas. Observa-se tambรฉm o aumento de chuvas concentradas em 24 horas, um curtรญssimo espaรงo de tempo, como a ocorrida em Petrรณpolis (regiรฃo serrana do Rio de Janeiro), no dia 16 de fevereiro, e que foi a maior registrada nos รบltimos 70 anos
De acordo com relatรณrio de 2020 da Organizaรงรฃo Mundial de Meteorologia (OMM), as enchentes representam 70% das mortes associadas ao clima na Amรฉrica do Sul. Durante o perรญodo de 50 anos (1970-2019), a Amรฉrica do Sul experimentou 875 desastres relatados e que resultaram em 57.909 vidas perdidas, com um triste aumento de 5% nas mortes nos รบltimos cinco anos. Enquanto isso, foram registrados US$ 103 bilhรตes em perdas econรดmicas. As enchentes levaram ร maioria dos desastres (59%), mortes (77%) e perdas econรดmicas (58%). Inundaรงรตes e deslizamentos de terra juntos sรฃo responsรกveis por 73% dos desastres registrados, bem como 93% das mortes e 63% das perdas econรดmicas.
Diante desses nรบmeros, รฉ urgente buscar formas de minimizar esses impactos. Uma delas รฉ a implantaรงรฃo e o correto uso de sistemas de alerta rรกpido e monitoramento de riscos. Apenas 40% dos 138 membros da OMM possuem Sistemas de Alerta Rรกpido de Riscos Mรบltiplos (SARRM) e 39% fornecem serviรงos de previsรฃo de impacto. Isso significa que, em mรฉdia, uma em cada trรชs pessoas no planeta ainda nรฃo estรก protegida por sistemas de alerta!
Os sistemas de alerta possuem como objetivo avisar com antecedรชncia a populaรงรฃo e a Defesa Civil sobre o perigo de ocorrรชncia de enchentes e deslizamentos, assim os moradores das รกreas que podem vir a ser afetadas podem sair a tempo e/ou evitar perdas, principalmente populaรงรตes que, notadamente, sรฃo as de maior vulnerabilidade social.
A necessidade de sistemas de alerta de risco รฉ aventada hรก muitos anos, alguns estados e municรญpios possuem planos para implantaรงรฃo desses sistemas. Entretanto, a maior parte permanece no papel e nรฃo recebe os investimentos adequados em estrutura e treinamento, deixando as populaรงรตes ainda mais expostas aos desastres. E hรก alguns casos que tรชm sistemas, como estamos vendo em Petrรณpolis, mas nรฃo sabem usar ou usam erroneamente, o que talvez seja ainda pior. A lembranรงa disso deve vir ร tona na hora de votar e nรฃo apenas depois das tragรฉdias. Atรฉ quando vamos ter que perder vidas, testemunhar cenas e situaรงรตes terrรญveis, ver tantas pessoas passarem por dores dilacerantes e pelo forรงado recomeรงar, e tudo isso devido a circunstรขncias que temos capacidade e tecnologia de prever, de minorar e atรฉ mesmo de evitar?
(*) Larissa Warnavin รฉ geรณgrafa e doutora em Geografia. Professora da รกrea de Geociรชncias do Centro Universitรกrio Internacional Uninter